No final do mês de julho o Instituto dos Vinhos e da Vinha (IVV), através de um comunicado, apontava para uma quebra de 3% na produção de vinhos no Douro, uma previsão que os produtores da região consideram longe da realidade apontando para perdas na casa dos 30%.

No comunicado divulgado pelo instituto público pode ainda ler-se que "o ciclo vegetativo das videiras está atrasado duas a três semanas, pelo que as condições climatéricas nos meses de Agosto e de Setembro serão determinantes na quantidade e qualidade da colheita”.

Os episódios de queda de granizo ocorridos um pouco por toda a região este ano, seguidos de uma onda de calor extremo a que se juntaram as doenças das vinhas como o míldio, o oídio e o black rot são as causas principais para a quebra que os produtores esperam que se venha a verificar na campanha deste ano.

[caption id="attachment_6143" width="800" align="aligncenter"] Cacho afetado pelo calor extremo[/caption]

Em declarações ao nosso jornal, o presidente da Adega Cooperativa de São João da Pesqueira, Camilo Costa mostra-se preocupado com a situação que se vive este ano, “a maturação está atrasada, 2 a 3 semanas e se vem novamente muito calor corre-se o risco de perder ainda mais produção, há agricultores que perderam tudo, e a produção era boa, contudo o míldio apareceu com muita agressividade, mesmo apesar dos tratamentos que foram feitos. No inverno tivemos alguma chuva que nos deu esperança num bom ano mas de repente surgiram estas situações e tudo se alterou”.

A mesma opinião é partilhada por Celeste Marques da Adega Cooperativa de Sabrosa. “As previsões são más. Temos muito míldio, oídio e black rot. Não é um problema generalizado mas em certas zonas tem sido uma desgraça. Temos alguns associados que já vieram aqui mostrar-nos cachos completamente secos e a dizer-nos que não vão ter uvas para vindimas, por isso a perspetiva não é muito boa. Há algumas pessoas que já comparam este ano a 1988, nesse ano, nós aqui, por exemplo, conseguimos pouco mais do que o benefício”.

Para a enóloga esta situação é má quer para os produtores que vêm o seu sustento desaparecer como para a própria adega que precisa de ter vinhos para cumprir com os contratos assinados com os clientes.

“Para nós é muito mau até porque já temos compromissos assumidos com os nossos clientes. Nos últimos dois anos já tivemos algumas quebras devidos a doenças e à queda de granizo, um terceiro ano de quebra será muito mau, até porque temos apostado muito na internacionalização e não podemos falhar com esses clientes sob pena de os perdermos para sempre.

Para os produtores é uma desgraça. Têm gasto muito dinheiro em tratamentos, alguns deles já fizeram mesmo 10 tratamentos e mesmo assim as uvas estão cheias de míldio. Ou seja, gastaram dinheiro a tratar mas não vão ter uvas para vindimar, logo, não vão ter qualquer retorno”.

O elevado número de tratamentos efetuados tem sido uma constante por toda a região. Na Pesqueira, por exemplo, normalmente são feitos um ou dois tratamentos anuais “este ano houve quem fizesse nove”, afirma Camilo Costa que diz ainda que “alguns tratamentos que estão a ser feitos são já de prevenção para o próximo ano, para que a vara não seja afetada pela doença o que poderia trazer mais problemas nos anos seguintes”.

[caption id="attachment_6144" width="800" align="aligncenter"] Videira afetada com míldio[/caption]

Também Luís Quinas Guerra, produtor no concelho de Peso da Régua, contou ao nosso jornal que este ano contabiliza já “seis tratamentos”, em contraponto com os habituais dois ou três, e com a agravante de não se notarem melhorias na condição da vinha “este ano, mesmo aplicando os produtos, parecia que acelerava a proliferação da doença”.

Também nos concelhos de Tabuaço e Alijó se vive esta realidade. Carlos Almeida e Manuel Vilela, produtores nestes concelhos, falam numa “duplicação do número de tratamentos”, situação que tem levado os produtores a terem que suportar “custos inesperados e que dificilmente serão ressarcidos”.

Em Vilarinho, Luís Quinas Guerra fala-nos em “percas na casa dos 60 a 70%”, havendo mesmo quem tenha perdido a totalidade da sua produção. “Uma desgraça, um ano para esquecer”, afirma o jovem produtor que diz não entender a previsão do IVV, “devem ter contado os cachos por satélite”.

“As castas que acumulam açúcar mais cedo estão a safar-se, já a Malvasia fina e a Tinta Roriz são das mais afectadas. Foi literalmente um ataque de míldio na pior altura, dias antes do pintor. Foi um ano de sorte em que o terroir teve mesmo muita influência na extensão dos danos. Desanimador e preocupante. Se este é o futuro do Douro em termos climáticos, os viticultores têm umas campanhas agressivas pela frente”, conclui Luís.

Em Alijó, Manuel Vilela aponta para percas “na casa dos 30%” provocadas pelos diferentes fatores, “aqui sofremos com tudo este ano, primeiro foi o granizo, depois o calor e as doenças e agora mais calor novamente”, afirma com um tom desanimado acrescentando ainda que “este ano é para esquecer, não vou conseguir recuperar o investimento que foi feito com tratamentos”.

Carlos Almeida, em Tabuaço, fala ao nosso jornal minutos depois de dar uma volta pelas vinhas “a quebra aqui será na casa dos 20%, nota-se muita presença em especial de míldio e também muitas videiras queimadas pelo calor”.

Qualidade? É uma incógnita

Normalmente, os anos de baixa produção em termos quantitavos representam bons anos ao nível da qualidade. Contudo, este ano essa previsão é arriscada ser feita.

“Quanto há qualidade não conseguimos ainda ter uma ideia. Normalmente fazemos uma primeira análise às vinhas dos nossos associados em finais de julho, até para termos uma ideia de como e quando poderá ser a vindima, depois fazemos mais duas em meados de agosto. Este ano ainda nem lá fomos, nem dá vontade de olhar para as vinhas.”, afirma Camilo Costa, concluindo que “os anos são todos diferentes, é o que é, mas este ano, qualitativamente, estamos um pouco pessimistas porque a maturação não está a ser feita de forma equilibrada".

[caption id="attachment_6145" width="800" align="aligncenter"] Muitos viticultores dão já esta vindima como perdida[/caption]

Também em Sabrosa é esperada uma quebra na qualidade, contudo, a relação da adega com o produtor é o mais importante e com isso em vista está mesmo a ser ponderado um aumento no valor a ser pago pelas uvas nesta campanha. “Este ano vamos aumentar um pouco o preço que pagamos pelas uvas, é uma forma que temos de os ajudar, embora saibamos que a qualidade não será de excelência. Aliás, nestes últimos anos, até devido ao nosso crescimento, conseguimos aumentar o valor por pipa em quase 100€”, diz-nos Celeste Marques.

Visão diferente tem Manuel Vilela, o produtor de Alijó acredita que “em termos de qualidade será um bom ano porque há menos fruto e o que há pode assim desenvolver-se melhor”.

Autarca pesqueirense escreve missiva ao Governo

Manuel Cordeiro, autarca de São João da Pesqueira tem acompanhado a situação vivida pelos viticultores do seu concelho com alguma preocupação, chegando mesmo a endereçar uma missiva ao Ministro da Agricultura dando conta da sua preocupação e solicitando a visita de técnicos do Ministério a S. João da Pesqueira para um levantamento mais exaustivo dos prejuízos.

“Há prejuízos, é inegável. Na rua ouço muitos agricultores dizer que foram afetados, uns mais outros menos mas é uma opinião geral. Há algumas situações com perdas avultadas e pontualmente alguns casos de perda total das produções.

Entendemos que o município se devia envolver nisto, daí termos escrito a carta ao Ministro da Agricultura, da qual ainda não obtivemos resposta. A ideia é sensibilizar as autoridades para o problema que aqui se vive e tentar arranjar forma de ajudar quem tem prejuízos. Não sei qual seria a forma de o fazer mas, se calhar, a mais direta seria subsidiar.

Não ficamos de braços cruzados, tínhamos que fazer alguma coisa Temos mais voz enquanto câmara do que cada agricultor por si só. Depois também me chocava que ninguém falasse neste problema, nem autarquias nem instituições e sentimos que tínhamos que falar”.

Corte de duas mil pipas no benefício

Este ano, a Região Demarcada do Douro vai transformar 116 mil pipas (de 550 mil litros cada) de mosto generoso em vinho do Porto, menos duas mil pipas do que na campanha do ano passado, um corte que foi aprovado, na reunião de 17 de Julho, do conselho interprofissional do Instituto dos Vinhos do Douro e Porto (IVDP), na Régua e que tem gerado reações distintas.

Após seis anos de aumentos anuais consecutivos, este órgão consultivo estabeleceu uma redução do chamado "benefício", que é a quantidade de mosto que cada viticultor pode destinar à produção de vinho do Porto.

"Tendo em conta o contexto das vendas e a valorização de stocks, há uma ligeira diminuição do valor estabelecido para o benefício, em relação ao ano passado. O resultado desta reunião transmite a estabilidade entre a produção e o comércio, sempre com o objectivo comum da protecção das Denominações de Origem Porto e Douro", explicou Manuel de Novaes Cabral, presidente do IVDP, em declarações ao nosso jornal.

O "benefício" é a quantidade de mosto generoso que, somando a aguardente que é preciso adicionar, fixa a quantidade de vinho do Porto que pode ser produzida na vindima seguinte. A definição deste valor exige anualmente uma negociação entre os representantes da produção e do comércio de vinho do Porto, tendo por base um conjunto de critérios técnicos, as vendas nos últimos meses e as projecções para o resto do ano, o nível de stocks existentes e as intenções de compras até Dezembro.

No ano passado, as empresas que produzem vinho do Porto exportaram menos caixas (-0,9%), mas 1,2% mais caras, o equivalente a 4,84 euros por litro, progredindo ligeiramente (0,2% em relação a 2016) para um total de 312,2 milhões de euros.

O vinho do Porto representa cerca de 40% das exportações portuguesas de vinhos e 61% das vendas nos mercados externos de vinhos com denominação de origem.

Contudo, para alguns produtores, como é o caso de Manuel Vilela, este corte é prejudicial à sua atividade.

“Não havia motivo para cortarem o benefício, o interesse das grandes empresas falou mais alto porque o objetivo é haver mais líquido disponível para os vinhos de mesa, a diferença é que ao produtor o preço que pagam é demasiado baixo”, afirma.

O produtor de Alijó aponta ainda um outro problema no setor, a falta de união dos produtores. “Falta união na região para negociar com as grandes casas o preço da uva, nós vindimamos e entregamos as uvas sem saber o preço que nos vão pagar por elas e depois as empresas pagam o que querem, isto é injusto”.

Vinhos e maçã do Távora também terão quebras

A Adega Cooperativa do Távora, em Moimenta da Beira, estima este ano uma quebra na ordem dos 50 por cento relativamente ao ano passado na produção de vinho desta região demarcada do Varosa e 25 a 30 por cento na maçã.

João Silva, presidente da Cooperativa, diz que não quer ser “pessimista”, mas sendo “realista”, a produção dos associados dos nove concelhos que são abrangidos pela Adega vai “sofrer grandes quebras”. A culpa foi do excesso de chuva e do excesso de calor. “Temos zonas de vinha que estão muito mal. Estimo que a quebra seja entre os 40 e os 50 por cento, à semelhança do panorama nacional. O Douro não está bem, o Dão não está bem, os verdes não estão bem e nós também não”, desabafa, apontando como principais causas o granizo que caiu nos meses de maio, as chuvas de junho e julho e o excesso de calor registado já no mês de agosto.

A Adega alberga os concelhos de Moimenta da Beira, Sernancelhe, Tarouca e ainda algumas freguesias dos concelhos de Penedono, São João da Pesqueira, Tabuaço, Armamar e Lamego. Esta região é conhecida pela produção dos melhores espumantes nacionais.

Já relativamente à produção da maçã, João Silva admite que a região do Távora não foi a mais afetada, mas ainda assim as quebras na produção poderão chegar aos 35 por cento e a apanha vai ser adiada algumas semanas. O granizo foi o maior problema. “Vamos ter de fazer a apanha três a quatro semanas mais tarde do que o habitual, deveremos começar na entrada do mês de setembro”, anuncia.

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