[caption id="attachment_3374" align="alignleft" width="300"] Teresa Andresen, arquiteta paisagísta e uma das envolvidas na candidatura do Douro enquanto Património Mundial / Foto: Miguel Almeida[/caption] Foi a 14 de dezembro de 2001 que o Alto Douro Vinhateiro (ADV) foi inscrito na lista do Património Mundial da Humanidade, na categoria de Paisagem Cultural Evolutiva e Viva. Leia a entrevista a Teresa Andresen, arquiteta paisagísta e uma das envolvidas na candidatura e fique a conhecer a sua opinião acerca destes quinze anos do Douro enquanto Património Mundial. Em 2001 o Alto Douro Vinhateiro foi considerado Património da Humanidade pela UNESCO. Quinze anos depois desta inscrição, como é que descreve a evolução da paisagem ao longo dos anos? A evolução da paisagem, não pode ser considerada, apenas uma consequência direta da inscrição do Alto Douro Vinhateiro na lista do património mundial. Os protagonistas são os principais agentes de mudança. A primeira razão para a transformação da paisagem é, de facto, a grande evolução na vitivinicultura e também numa cultura empresarial de grande inovação que se instalou no Douro, em geral. Isso é que foi o grande ganho, a competência de saber plantar vinha, de saber tratar a vinha, de saber fazer vinho, de saber conservar vinho é de tal maneira elevada nesta região demarcada, que é a região regulamentada mais antiga do mundo, que tem quase três séculos de experiência de regulamentação. Essa é que foi a grande transformação. E porque é que estava em falência? Estava em falência porque não havia gente e a plantação em socalcos era altamente exigente em mão de obra. É possível conciliar a preservação da paisagem com o desenvolvimento do território? É possível e esse tem sido, precisamente, o grande esforço e uma das grandes consequências da inscrição na lista do património mundial. Nem sempre pacífica, por vezes, nem sempre fácil transmitir a todos e consensualizar. Não é fácil de consensualizar, mas entre os serviços regionais de agricultura e a Comissão de Coordenação da Região Norte tem havido um cuidado muito grande em fazer cumprir o chamado Plano Intermunicipal de Ordenamento de Território e que, aliás, teve um processo de revisão recente e que criou um conjunto de princípios para procurar manter o caráter vernacular. E conciliar novas formas de armar a vinha. E isto aconteceu em simultâneo com uma competência muito grande dos viticultores que investigaram e conseguiram demonstrar novas formas de plantar a vinha, o que não é fácil porque no Douro a cultura do “milheiro”, é que dominava. O que é que quer dizer com este conceito de paisagem cultural? Todas as paisagens são culturais por definição. Na nossa velha terminologia, dos geógrafos, falamos em paisagem humanizada. Mas estamos a falar em paisagens que têm um interesse reconhecido, é uma particularidade. Elas são definidas como obras combinadas do homem e da natureza. O que está em causa é a relação que o homem estabelece com os elementos naturais: o solo escasso, a chuva escassa, terreno muito declivoso, a videira que se adapta a estas condições, que é produtiva. Porque produz um vinho de excecionalidade, - o vinho do Porto e também o vinho do Douro. Quando aproveitada, a paisagem cultural pode ser um instrumento privilegiado de gestão e desenvolvimento sustentável. O Douro conseguiu aproveitar este ativo da melhor forma? Então não potencializa? Como? De forma extraordinária. Primeiro, o vinho. E veja o que tem sido o grande sucesso do vinho do Douro, um vinho de mesa. Parecia impensável. O Douro tornou-se um produto turístico extraordinário. Aqui é que está um dos conflitos. Para os proprietários o turismo vive da paisagem e do vinho que eles fazem, mas sem rendimento direto para eles. Mas tudo isto é um processo e eu sou muito crente nele. Não estar inscrito na lista do Património da Humanidade muito seria diferente. Estar nesta lista é tambem um processo de aprendizagem. O Plano Intermunicipal de Ordenamento do Território (PIOT) do Alto Douro Vinhateiro tem sido eficaz na valorização do património natural e cultural? Eu acho que tem dado um contributo importante. Fez uma cultura, construiu uma cultura. Não é perfeito, mas ele construiu uma cultura. E que, nomeadamente esteve na base de um despacho de 2004 que veio beber no PIOT para encontrar melhores soluções para se poder aplicar os objetivos de conservação daquela paisagem, património da humanidade. Fale-me um bocadinho das autarquias e dos autarcas. Acha que as autarquias estão a fazer tudo o que podem ou tudo o que devem para a preservação desta paisagem? Não. Concretize, por favor. Sem ser politicamente correta, não tem de ser politicamente correta. Tendo dito não, a seguir tenho de dizer: o problema não é fácil. Mas eu não consigo compreender como é que, ao longo destes anos, certas estruturas edificadas apareceram nesta paisagem. E com as características com que apareceram. Mas também não são só os autarcas. Eu não consigo entender como é que as envolventes da Barragem da Régua, da Valeira ainda não tiveram o devido tratamento que deviam ter. Eu só entendo porque isto é um processo complexo. O processo é complexo e é um processo de gerações. Agora, que ainda possam existir no Douro uma expectativa de edificar fora de perímetros urbanos, eu por não consigo entender. O Douro passou a ter os armazéns na região. Antes o vinho armazenava-se em Vila Nova de Gaia porque lá é mais fresco, etc, hoje, com as câmaras frigoríficas e enterrando as adegas, consegue-se ter condições excecionais. Existem grandes adegas e havia alguns precedentes muito mal integrados na paisagem e alguns até foram corrigidos. É possível fazer bem. Agora, há certas coisas que não podemos aceitar. Ou seja, é uma questão política? Eu acho que é uma questão... Nós temos de compreender a vida do quotidiano de um autarca. As pressões são diárias e de todos os lados. E isto não é um problema só do Douro. “Eu tenho aqui um terreno e é aqui que eu quero fazer a minha casa”- isto é uma velha história. Só que é uma história que nos sai muito cara, em infraestruturas, etc. E depois tem este problema de desqualificar a paisagem. Eu acho que o caso do Alto Douro Vinhateiro, sob o ponto de vista da qualidade da paisagem e da presença do edificado estranho àquela paisagem, podia estar melhor. E que vai ficar melhor. Tenho esperança que vai melhorar. Acredita nisso? Nada é irreversível mas há situações que são complicadas. E, como lhe disse, por exemplo temos adegas em que se percebe que houve obra de requalificação. Portanto, pode-se fazer bem. E muitas das vezes não se tem feito bem. [caption id="attachment_3375" align="alignleft" width="300"] Teresa Andresen, arquiteta paisagísta e uma das envolvidas na candidatura do Douro enquanto Património Mundial / Foto: Miguel Almeida[/caption] Ou seja, na sua opinião a população duriense tem de compreender a importância da preservação desta paisagem? Tem vindo a compreender e, nomeadamente, a Liga dos Amigos do Alto Douro Vinhateiro tem feito um trabalho muito interessante com as escolas. E, por isso, isto é um processo de gerações e vão compreendendo onde é que querem chegar. Agora, é um problema social grande: é o património das pessoas, é a vida das pessoas, é a segurança das pessoas. Temos de compreender isso. É um compromisso que vamos tentando acertar e encontrar. Em jeito de síntese, se lhe pedir dois elementos positivos e dois elementos negativos, quais são os efeitos que esta chancela tem para a população? Positivo foi, de facto, a construção de um olhar diferente para a paisagem. Isto é muito subtil. Isto não se mede, mas há uma cultura. As pessoas foram obrigadas a pensar a paisagem, o valor da sua autenticidade e a importância de manter a sua integridade e de compreender que o Douro foi considerado um valor universal excecional porque na lista de património da humanidade só estão aqueles bens que têm valor universal e excecional. É um fator, claramente, de distinção e de excecionalidade. Em resultado disso, eu acho que foi um olhar diferente de todos. Dos proprietários, dos turistas, dos autarcas, da juventude, dos empresários. Toda a gente começou a perceber que tínhamos de olhar e compreender a paisagem. Este é um grande fator que eu considero positivo. E acho muito positivo também a evolução da viticultura no Douro. A inscrição e os regulamentos que foram aparecendo acabaram por levar os viticultores, com muita inteligência, a pensar e encontrar soluções novas, que têm vantagens para eles. Foi um fator positivo, mas o mais extraordinário é que há uma prática na vinicultura do Douro em que se gosta de ensinar e partilhar com os outros. É uma região que tem uma cultura que não esconde, mas que gosta de demonstrar como faz e como faz bem. Pediu-me dois, mas eu era capaz de acrescentar um terceiro que é a visibilidade do Douro. Mas que também é um fator negativo. Para quem gosta de sossego, esta visibilidade não é boa, portanto, a visibilidade é um pau de dois bicos, digamos assim. Mas acho que a devemos tomar pelo lado positivo, apesar de tudo. Embora eu compreenda perfeitamente os argumentos negativos. Fatores negativos, eu ouço sobretudo os autarcas invocarem que isto é um ónus, mas novamente querendo compreender acho que não podemos pensar tudo a curto prazo, temos de pensar no médio e no longo prazo. Em jeito de balanço esta inscrição foi ou não uma mais-valia para a região? Está-me a fazer uma pergunta que nunca terá um indicador para a medir. Nunca vai ter. É uma resposta subjetiva. Eu digo, claramente, sim. Sim, porque o grau de exigência aumentou e refletiu-se na qualidade dos produtos como o vinho ou oferta turística. Que futuro se reserva para esta paisagem cultural? O futuro, para mim, é uma perpétua homenagem aos viticultores e aos proprietários. O que espera para o Douro nos próximos 20 anos? Espero boas colheitas, boa qualidade mantendo proprietários, viticultores e todos os que estão envolvidos, motivados em continuar a inovar e a fazer melhor.

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