Eleito em dezembro Presidente da Casa do Douro, Rui Paredes, nesta primeira entrevista após ser empossado fala das prespetivas que tem para o mandato de três anos.
Este foi um processo longo que gerou algumas polémicas quanto ao modelo. Qual o espírito com que assume este cargo?
Não tenho nenhum objetivo de vida ao estar aqui, não irei usar este cargo como trampolim seja para o que for, isto é uma comissão de serviço que tenho, uma responsabilidade em defender 19 mil viticultores e muitos milhares mais que lhes estão associados. Vamos trabalhar para dar empoderamento à viticultura.
Se este é o melhor dos modelos? Talvez não seja, mas agora teremos tempo para o trabalhar. O modelo que vigorava até à tomada de posse desta direção era um modelo que não fazia sentido.
Era uma associação que defendia os viticultores com recursos paupérrimos.
Faltava-lhe força?
Acho que tínhamos, e continuamos a ter, gente muito válida que deu o seu tempo, dinheiro e know-how em prol da região.
O conjunto dos elementos que esteve até agora no Conselho Interprofissional foi de um nível superior, e a sua disponibilidade deveria ser reconhecida pela região. Não que eles precisem dessa validação, mas seria justo depois de tanto que deram, sem receber nada. Foi um trabalho importante para defender os viticultores, com uma série de propostas que fizemos chegar ao Governo e que este, e bem, as tomou como suas, até porque muitas extravasam a nossa região e irão servir para todo o país.
Foi uma votação onde votaram mais de três mil pessoas. Olhando à falta de verbas que existiu para a comunicação deste ato, bem como as características em que a eleição decorreu, somando a isso o envelhecimento da população e um certo comodismo já característico do povo português, devemos ficar bastante satisfeitos com a afluência.
Faltou mais informação aos eleitores?
Faltou. Eu já o afirmei duma forma até bastante assertiva, bastante crítico, mas temos que pensar que a Comissão Eleitoral também estava pela primeira vez nesta posição.
Ao longo dos próximos três anos teremos oportunidade de criar um Regulamento Eleitoral com vista ao próximo ato, permitindo que a eleição vá a todo o território.
A eleição para a mesa do Conselho Regional só foi decidida à terceira votação. Acredita que a dificuldade neste processo será uma marca deste mandato?
Quando existe uma eleição em que a votação fica tão próxima, cria sempre algumas dificuldades de relacionamento. Certamente que teremos opiniões contrárias, que obrigam a discussão, mas desse pensamento alternativo haverá sempre uma luz.
Aquilo que entendo é que o Douro ganhou, e devemos todos trabalhar pelo mesmo objetivo.
No início do processo eleitoral foi-me perguntado como olhava para todo este processo eleitoral e o desejo que expressei na altura foi que não fosse partidarizado.
Tentamos não envolver as autarquias porque consideramos que não seria algo de útil nesta fase, apesar de serem parceiros que serão muito importantes no futuro da instituição e da região.
A partir do momento que estamos eleitos há necessidade de fazer esse trabalho conjunto com as autarquias.
A economia da região está assente na vinha e no vinho. Podemos acrescentar outras atividades, mas o core da nossa região é este. Somos vinho e vinha, o turismo acrescenta, mas só existe porque temos tudo isto para oferecer, graças aos jardineiros da nossa paisagem, os nossos viticultores.
Pretendemos que haja uma mensagem forte, de união, para fora, daí também a nossa proposta para haver apenas uma lista à mesa do Conselho, mas isso não foi possível.
A AEVP anunciou que vai “suscitar a inconstitucionalidade da lei” aprovada no Parlamento para restaurar Casa do Douro como associação pública de inscrição obrigatória. Como reage a este anúncio?
Esta situação pode até ajudar a unir ainda mais o lado da produção.
Tenho tido um ótimo relacionamento com o Presidente, António Filipe, apesar das críticas fortes que temos feito à postura do comércio nas últimas décadas e que de certa forma também contribuiu para a situação atual da região. A responsabilidade é de todos.
A Casa do Douro é um legado fantástico, um património de referência na região e no país, apesar das memórias mais recentes não serem positivas.
Temos de empoderar o viticultor para ombrear com o comércio, tendo por trás uma equipa técnica que permita uma nova dinâmica à nossa atividade.
Muitas têm sido as dúvidas levantadas quanto às competências que a “nova” Casa do Douro terá. Quais serão estas competências?
Há competências já atribuídas pela lei de reinstitucionalização da Casa do Douro, contudo, só podemos ter competências se tivermos um envelope financeiro que as suporte.
Uma dessas competências, por exemplo, é a fiscalização. Para que isso aconteça, temos de ter recursos financeiros, como acontece com o cadastro… um conjunto de competências que dependem do financiamento.
Essa era uma questão que já tinha preparada… onde vai então a Casa do Douro buscar o seu financiamento?
Estamos a ajustar as agendas com o Ministro da Agricultura de forma a termos uma primeira reunião que sirva para definir essa questão.
Neste momento não temos qualquer recurso ou sequer algum backoffice. Se queremos que a Casa do Douro volte a estar no terreno, temos de a capacitar destes instrumentos.
Mas esses fundos vêm do Orçamento do Estado? Das taxas que são cobradas à região e que revertem para o IVDP?
Acima de tudo não queremos sobrecarregar o viticultor. Podemos estipular uma cota simbólica de dois euros mensais, mas acreditamos que este valor deve vir do que são as taxas que já pagamos.
Não podemos esquecer que a Comissão Administrativa do Património da Casa do Douro tem muito vinho. Algum dele está hipotecado por dívidas, mas outro não e tem servido para pagar despesas que a Comissão tem como manutenção, etc.
Considero ainda que a região deveria introduzir uma taxa turística e que parte dessa verba revertesse para o setor para apostarmos na promoção. Precisamos de ter grandes campanhas que nos reposicionem como marca de vinhos, dar uma nova roupagem.
O vinho do Porto é algo muito especial e os mais jovens estão afastados dela, é preciso reinventar a estratégia para criar públicos. Há um certo fundamentalismo quanto ao vinho, mas ele faz parte da nossa cultura ibérica e bebido em moderação não prejudica ninguém.
Não entendo como é que um médico americano defende a colocação de imagens chocantes nos rótulos das garrafas, à semelhança do que já acontece com os maços de tabaco, quando dentro do seu país existem empresas que contribuem para o degradar da saúde das pessoas como as cadeias de fast-food ou bebidas como a Coca-Cola.
O Comissário Europeu para a Agricultura veio dizer que está a ser preparado um pacote de apoio para a viticultura. Olhando para a região do Douro, que medidas espera ver apresentadas?
Para nós o importante é conseguir que as populações se fixem no nosso território, não podemos ser um contribuinte para a desertificação da região, posto isto, é essencial que se aumente o rendimento daqueles que diariamente tratam estas terras.
A União Europeia tem de entender que os territórios de baixa densidade são também fundamentais para o crescimento económico dos países. Há uma tentativa da litoralização do país, servindo como um íman para os mais jovens que se vêm num ciclo do qual não conseguem sair.
A UE e o Estado português têm de entender que têm de investir muito mais na região, e não continuar a despejar dinheiro no litoral.
O interior não tem capacidade de reter os mais jovens porque os serviços que existiam foram fechando, quer sejam hospitais, tribunais ou outros serviços públicos. É algo que nos devia fazer pensar a todos.
Ao longo dos dois anos que temos no Conselho Interprofissional fomos apresentando algumas medidas, fomos muito intransigentes quanto à descativação de verbas com a anterior Ministra, era impossível desenvolver campanhas de promoção não havendo verbas para as concretizar, e quando essas verbas apareciam, já no final do ano, não havia tempo para realizar qualquer ação.
Esta situação já foi revista pelo atual Ministro, tal como nos tinha prometido em reunião logo após a sua tomada de posse no Governo.
A questão do fechar da região também já está resolvida com o Ministro a assumir que havia um ataque a um produto com denominação protegida e nada tinha que ver com a livre circulação de bens ou pessoas.
Temos ainda a situação da vindima em verde, que já entra no rol de soluções para mitigar problemas como aquele que vivemos na última vindima. Agora pretendemos antecipar a Declaração de Produção, o quantitativo de benefício para este ano.
Qual seria a data ideal?
Pensamos que abril seria o ideal. Neste momento, atendendo a que já estamos em fevereiro.
Isto é importante para que nos possamos preparar da melhor forma para a próxima campanha, adotando as medidas necessárias para que ela decorra sem grandes sobressaltos.
Estamos a seis meses dessa época e é necessário diminuir um pouco a oferta para que os viticultores não andem de chapéu na mão chegando ao ponto de deixar uvas nas videiras, temos de evitar que isto aconteça.
A produção de aguardente pode ser uma solução para os excedentes?
Temos uma proposta no Conselho Interprofissional nesse sentido.
Mas é uma proposta que segue a lógica apresentada no vosso manifesto eleitoral dum quantitativo entre o 1 e os 20%?
Acho que temos de ser razoáveis neste assunto. Não podemos achar que temos toda a razão e outros não têm razão nenhuma.
O que a nossa proposta diz é que devemos fazer este caminho, acompanhando os resultados durante três a cinco anos, só assim teremos uma ideia mais clara se esta solução pode funcionar ou não e que ajustes podem ser feitos.
Se praticarmos o que alguns defendem (a utilização de 100% de aguardente regional na produção de vinho do Porto), deixa de existir a produção de vinho DOC no Douro, com o impacto económico que isso pode ter para uma grande parte dos atores que estão atualmente no terreno.
Acredito que o bom senso vai imperar nesta questão. Não podemos ficar entrincheirados nas nossas propostas, temos de discutir as diferentes visões.
A nossa proposta está suportada naquilo que é o regulamento europeu 11/43, que salvaguarda sempre o ataque à viticultura e aos viticultores. É uma proposta legar que dará sustentabilidade económica à região.
Temos de chegar a consensos em prol da região, da viticultura e em prol do nosso país. O setor vitivinícola duriense é muito importante para a balança comercial de Portugal, não nos podemos esquecer disso.
As empresas também têm aí um papel importante a desempenhar?
Antes de mais, gostaria de saber qual a componente regional do que fica nos resultados das empresas, era muito importante.
A verdade é que o produto é aqui elaborado e transformado, mas é a jusante que fica o resultado das empresas.
Se conseguíssemos que essas verbas ficassem na região, aumentaríamos o nosso rendimento per capita, saindo dos últimos lugares no ranking nacional. Produzimos riqueza, mas ela não fica na região.
O Governo e a União Europeia tinham aqui um papel importante. Não podemos obrigar as empresas a mudar a sua base fiscal, mas podemos “forçar” essa mudança com benefícios fiscais, por exemplo, ou a melhoria de infraestruturas como a cobertura de internet, por exemplo.
No fundo, temos pela frente um longo trabalho a desenvolver para que a viticultura volte a ser um elevador social na região, para isso precisamos de todos num Douro unido.