A expressão “ouro líquido” que muitas vezes se utiliza como referência ao azeite, nunca fez tanto sentido como na atualidade com o litro a rondar já os 10€ e com os produtores a afirmarem que “não ficará por aí”.
O valor elevado a que estamos a adquirir este bem é reflexo de dois anos de más campanhas. Depois de um 2021 positivo, no ano passado a produção caiu 60% e este ano, estando um pouco melhor, essa quebra deverá ainda assim atingir os 30 a 40%.
De acordo com o Gabinete de Planeamento, Políticas e Administração Geral, que trabalha em conjunto com o Ministério da Agricultura, “como consequência da conjugação de um ano de contrassafra com fatores meteorológicos adversos, nomeadamente a seca extrema e as altas temperaturas, agravada pelos ataques tardios da mosca da azeitona e de gafa por ausência de tratamentos, a presente campanha é caracterizada por uma quebra de produção considerável principalmente no olival tradicional. As estimativas do INE preveem uma produção de cerca de 126 000 toneladas, que corresponde a uma diminuição de 40% comparando com a campanha anterior, no entanto é a quarta melhor produção olivícola de sempre”.

Olhando para as cotações do azeite, na última semana de setembro deste ano, para o azeite virgem extra, em garrafão de 5L a média de valor rondava os 7,43€/litro, em contraste absoluto com os cerca de 3€/litro registados em 2021.
Manuel Covas é Presidente da Cooperativa Agrícola de Ervedosa do Douro, no concelho de São João da Pesqueira fala de uma grande escassez de azeite que já o levou mesmo a racionar a venda.
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“Há uma escassez enorme de azeite na região do Douro, já estamos a racionar o azeite, se fosse dar resposta a todos os pedidos que tenho, e que muitos são depois para revenda, não conseguiria satisfazer o consumidor habitual que leva um ou dois garrafões de cinco litros.
Temos mantido o preço a 6€ o litro, é um preço equilibrado para o olivicultor e para o lagar, daí também a necessidade de o racionar. O azeite que temos pertence aos cooperantes, temos que o comprar para depois o comercializar, por isso esta gestão tem que ser feita com algum cuidado”.
Manuel Covas explica que isto se deve à quebra de produção em 2022 e o mesmo a ser previsto para 2023.
“Num ano normal fazemos mil toneladas, no ano passado fizemos apenas 350. Este ano a estimativa é que seja ligeiramente melhor que no ano passado, mas ainda longe, por exemplo, da campanha de 2021.
Apesar disso a qualidade está garantida, afirma o responsável cooperativo. “Produzimos sempre azeites excelentes porque a azeitona sai direta do olival para o lagar, a transformação acontece por processo mecânico, no máximo no dia a seguir a ser apanhada.
É um azeite virgem extra, com as três características de excelência que se procuram neste produto: acidez, amargo e verde, o que muitas vezes é difícil para o consumidor, mas com o tempo as pessoas também têm refinado mais o seu paladar e procuram azeites de qualidade”.
O mesmo cenário é descrito à nossa reportagem por Fernando Vilela, Presidente da Cooperativa Agrícola dos Olivicultores de Murça que começa logo por afirmar que “o agricultor não está a ganhar com isto, mesmo recebendo o dobro daquilo que habitualmente lhe é pago, está a produzir metade, e não está a conseguir fazer mais dinheiro por aí, aliás, todos os fatores de produção têm vindo a sofrer aumento de custos, o que significa que efetivamente o agricultor está a empobrecer”.
O responsável cooperativo explica que este é um mercado muito volátil a nível de preços, muito dependente das produções anuais, que continuam baixas para a procura existente, apesar desta também ter sofrido uma quebra.
“Em 2018, 2019, o azeite que falamos que agora pode superar os 10 euros, esteve a 1,47€, em 3, 4 anos há esta variação de preço, é um mercado muito volátil.
A falta de azeite no mercado grossista está a contribuir em muito para esta escalada de preços, no entanto, o consumo privado desde o início do ano caiu 30%, o que também é assustador porque significa que as pessoas estão a consumir menos azeite”.
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Apesar do decréscimo no consumo, este “continua a ser superior à oferta, o que ajuda os preços a subir”. Francisco Vilela explica que “desde a pandemia houve uma maior procura por alimentos mais naturais e saudáveis, o que fez crescer a procura por azeite, o resultado é que nos últimos 2 ou 3 anos o consumo tenha sido sempre superior à produção, acabando por esvaziar os poucos stocks que existiam”.
Para Fernando Vilela, o risco desta situação é o aproveitamento por parte de alguns especuladores.
“Este cenário tem atraído para o setor alguns especuladores, o que para nós não tem grande interesse. A cooperativa tem ganho algum nome e o nosso produto é reconhecido pela qualidade, normalmente vendemos 100% do nosso produto embalado, mas a verdade é que este ano temos vivido debaixo de grande pressão.
Numa cooperativa o interesse não é o lucro por isso começamos a retirar algumas embalagens do mercado, primeiro foram os garrafões de cinco litros, em maio, e em agosto as embalagens de dois litros, agora temos ainda a garrafa clássica de 0,75l, tudo para fazer a pílula dourar. Temos clientes aos quais temos que responder e vem aí o Natal, uma época sempre de grande procura”, uma situação que afeta as finanças da cooperativa, “este ano teremos perdido cerca de 300 mil euros por não termos vendido azeite a granel”.
Olhando para a previsão deste ano, o Presidente da cooperativa murcense, acredita que a campanha se iniciará “sete a 10 dias mais cedo que o habitual, muito por causa do calor dos últimos dias que acelerou o processo de maturação.
Prevê-se que seja 10 a 20% superior à campanha do ano passado, o que significa uma quebra de 30 a 40% face a uma campanha normal. É normal na agricultura haver um ano de safra e outro de contrassafra, dois de contrassafra não é habitual e é isso que está a acontecer este ano. Em Espanha acontece o mesmo e há quem fale numa produção inferior ao ano passado, isto vai afetar ainda mais o mercado global”.
De acordo com Fernando Vilela, “90% da produção olivícola mundial é proveniente da bacia do mediterrâneo, com as alterações climáticas e o consecutivo aumento das temperaturas a produção nesta região tem sido fortemente afetada.
A plantação de olival tem vindo a crescer daí ser esperado um aumento da produção, o que temos assistido é o oposto. Os fenómenos extremos têm afetado muito a produção, em especial os episódios de granizo e a chuva intensa que veio este ano na altura da floração”.
Outra zona da região que tem no azeite uma das suas principais culturas é o Douro Superior. Em Vila Nova de Foz Côa encontramos Frederico Lobão, produtor de azeite na empresa Gerações de Xisto.
Depois de uma colheita “miserável” em 2022, Frederico Lobão não espera que este ano a situação melhore muito, apontando esta redução na produção às alterações climáticas e ao tipo de olival que constitui a região, maioritariamente tradicional e com muitos anos.
“O ano passado foi miserável, normalmente produzo entre 16 e 18 toneladas, produzi duas, perdi uma série de clientes porque não tinha produto para entregar. Fidelizamos o cliente, implementamos a marca e depois somos traídos pelo clima, é complicado.
Este ano, na altura da floração esteve muito calor e nem todos os frutos vingaram, no mesmo olival conseguimos ver lado a lado uma oliveira bem composta e outra quase sem fruto nenhum, a previsão é que a colheita seja melhor do que no ano passado mas mesmo assim inferior ao que seria expectável.
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A juntar a isto, o olival no Douro nunca foi a produção principal, o que fez com que nunca houvesse uma preocupação muito grande em renovar os olivais, temos árvores centenárias aqui que produzem excelente azeitona, mas com uma produção muito reduzida”.
Com este cenário à sua frente Frederico Lobão decidiu produzir um produto diferenciado, de qualidade, acrescentando-lhe valor para o comercializar a um preço mais elevado.
“No total exploro 16 hectares de olival, a forma como encaro este negócio é profissional e para ser assim tenho que me preocupar em ter lucro que me permita pagar a mão-de-obra, fornecedores, etc, e ainda tirar o meu rendimento e preparar futuros investimentos.
A solução passou por criar um produto mais diferenciado e com valor acrescentado. Colhemos a azeitona mais cedo do que o habitual, extraímos a frio, num processo totalmente mecânico, embalado depois em garrafas de meio litro.
De uma forma geral o azeite tem que ser visto um pouco assim, em especial numa região como esta onde predominam os olivais tradicionais que obrigam a custos muito mais elevados do que os olivais modernos que vemos agora. A produzir mil quilos por hectare, ou fazemos um produto de grande qualidade para vender a um preço mais elevado ou então não vale a pena andar aqui.
Frederico afirma mesmo que “as pessoas não abandonam o olival por uma questão cultural e por vergonha. Se os meus pais e avós os mantiveram então também o vou manter, é muito assim ainda que se pensa”.
Que tipos de azeite existem?
Azeite Virgem Extra
Um azeite imaculado. Não tem qualquer defeito organolético, uma acidez abaixo de 0,8. Um azeite perfeito. É ótimo para se comer em cru.
Azeite Virgem
É um azeite no qual à partida foi detetado algum defeito organolético, pequeno, ou que a acidez possa ser maior que 0,8 mas inferior a 2. É consumido normalmente para a cozinha.
Azeite
Basicamente é uma mistura de 10% de azeite virgem com outros óleos ou azeite refinado. É um produto que deixa de ser benéfico para a saúde como os anteriores, já perdeu muitos dos seus componentes. É um azeite utilizado para frituras.