Com forte implementação na região designada por Soutos da Lapa, a castanha Martaínha é reconhecida pelas suas características únicas. Este ano, devido à falta de água e ao calor, aponta-se para uma quebra de 70% na produção.
Localizada em Penela da Beira, a Coopenela – Cooperativa Agrícola de Penela da Beira, é responsável pela comercialização de centenas de toneladas deste fruto. Foi nas instalações da cooperativa que encontramos José Fernando, vice-presidente da instituição, para uma conversa sobre este fruto e a campanha de 2022.
A Martaínha é a melhor castanha do mundo?
Sim, sem dúvida.
O que a distingue das outras?
A qualidade, a nível de pelagem, sabores, a cor em fresco e calibres muito equilibrados. Outra vantagem é a época do ano em que está disponível para consumo, nem muito precoce nem muito tardia.
Essas características que enumerou são da variedade ou, por exemplo, da zona onde nos encontramos?
Ambas. A qualidade Martaínha é excelente, isso é reconhecido, a zona onde nos encontramos, os Soutos da Lapa, é também muito favorável.
Esta castanha para consumir em fresco é excelente.
O que significa vender “em fresco”?
Vender em fresco vendemos para os assadores de rua e supermercados, por exemplo, o fruto chega ao cliente como fruto, assado ou cru.
Para a industria de transformação também é boa, mas como é uma castanha com um preço mais elevado não a utilizam tanto. Esta é a região, do país inteiro, onde a castanha é mais cara.
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Este tem sido um bom ano para este setor?
Podia ser pior. É um ano com pouca quantidade, mas com boa qualidade. Não é um ano excecional e fica marcado pela pouca quantidade, que tem feito os preços disparar. Já vi, num supermercado, o quilo de castanha Martaínha a 9,99€.
Quando fala de pouca quantidade, qual a quebra estimada nesta campanha?
A Martaínha regista uma quebra na ordem dos 70%.
O calor e o longo período de seca que vivemos na região tiveram peso significativo neste valor?
Sem dúvida. Na altura da polonização esteve muito calor o que afetou o desenvolvimento, e depois, obviamente, a falta de água.
O castanheiro precisa de muita água?
Não precisa de muita, mas precisa que os terrenos acumulem água no inverno para mais tarde proporcionar uma boa colheita. O inverno anterior já foi seco, na altura da polonização houve vários dias acima dos 40 graus, o que é demasiado… Com a falta de água há muitos castanheiros que não se aguentaram e secaram, sobretudo os de grande porte.
Apesar disso, dizia, a qualidade é boa?
Sim, a qualidade mantém-se boa. Não há muito bichado, a castanha está bonita e conserva-se bem.
A época da apanha acabou por ser mais positiva, veio chuva e frio que é o que é preciso para que os ouriços abram e o fruto caia. Caso contrário teríamos que andar a abri-los, o que é mais custoso.
Essa qualidade, e o calibre que, apesar de tudo é muito bom, ajudam a que este ano mesmo com o preço mais alto ela se venda. Isto vai ajudar os produtores que acabam por ver minimizadas as suas perdas.
Agora é esperar que o próximo inverno nos traga água suficiente, o outono tem sido simpático neste início, só assim conseguiremos aguentar a próxima seca, caso contrário estamos condenados.
O cenário é assim tão mau?
O problema aqui não é apenas a campanha deste ano, no momento isto é mau porque afeta diretamente a economia das famílias da região, mas também no médio/longo prazo, com a morte de muitos castanheiros.
Num ano como este, com todas as dificuldades que houve, há árvores que estão em stress absoluto, não sabemos ainda se as vamos conseguir recuperar.
Se houver agora um ano chuvoso, que melhore os níveis de água no subsolo, que é o que nos interessa, podemos esperar que sobrevivam.
Qual é a idade média de um castanheiro?
Há alguns que chegam a ter 800 anos (risos). Contudo, os que estão a sofrer mais são exatamente os mais velhos, aqueles que ainda foram plantados à mão e que, por isso, têm as raízes mais próximas da superfície, e são de muito grande porte.
A rega pode ser uma solução?
Já há produtores que começam a pensar seriamente nisso. Não é que a árvore tenha necessidade de muita água, como já expliquei, mas as alterações climáticas estão aí e temos que nos preparar.
Há 20 anos ninguém pensaria regar um castanheiro, hoje isso começa a ser uma necessidade.
Antigamente tínhamos um ano seco em cada dez, agora acontece a cada dois anos ou em anos sucessivos. É uma alteração muito grande.
Mesmo para nós, cooperativa, é mau em termos de negócio. Se antes havia um ano mau em cada cinco, agora, com tudo isto temos tidos anos de muito stress para se conseguir fazer bons negócios, não temos um ano descansado.

Quanto tempo ainda resta até ao final da campanha?
Cerca de duas semanas ainda.
Em termos de valores brutos, já há uma ideia da quantidade de castanha que resulta desta campanha na Coopenela?
Ainda não conseguimos saber.
A chegada de castanha à Coopenela depende sempre do preço lá fora, se o preço baixa, recebemos mais, se o preço sobe, recebemos menos…
Como neste momento os preços estão mais baixos, estamos a receber cerca de 10 a 12 toneladas por dia, vamos ver até quando, é uma incógnita.
Vende-se muita castanha… infelizmente de uma forma menos correta.
O chamado “marcado paralelo” tem um peso muito grande neste setor?
Tem algum. Em anos como este surge sempre gente a comprar a preços loucos para levar para Lisboa, o que acaba por estragar o nosso negócio.
A castanha tem um preço, se começarmos a ultrapassar esse valor eu temo que o mercado comece a rejeitar a nossa castanha.
A Martaínha é uma das melhores castanhas do mundo mas se chega a um preço louco, ao consumidor, as pessoas simplesmente não pegam. Tem que haver um limite.
O preço tem que ser controlado de forma a que todos ganhem de forma justa. O produtor tem que receber o valor justo pela castanha.
A castanha que chega à Coopenela, tem como destino o mercado interno ou a exportação?
Essencialmente exportação. No mercado interno vendemos alguns quilos aqui na região mas pontualmente e abastecemos uma cadeia de supermercados, o restante é para exportação, cerca de 95%.
Em 2020, que foi um ano excecional, por causa do Covid, com os mercados internacionais fechados ou a funcionar mal, chegamos aos 30% nas vendas no mercado interno. No ano passado já voltamos a superar a barreira dos 90% para o mercado internacional.