José Manuel Gonçalves cumpre o seu segundo mandato à frente da autarquia reguense. Com obras de grande dimensão a decorrerem no território, o autarca pensa já em futuros projetos para a cidade.
Ser autarca implica uma dedicação ao cargo que vai muito além das habituais 8 horas de trabalho. Quem fica a perder com esta dedicação?
Em primeira instância perde a minha família. Depois acredito que também perco eu, em termos de relações pessoais.
Quem vem para um cargo destes tem que ter a predisposição de abdicar desse tempo, e que haja a compreensão por parte daqueles que vão ser mais prejudicados, mas este cargo tem mesmo que ser cumprido com uma dedicação plena, de quase 24 horas, 7 dias por semana.
Em casa há essa compreensão?
Felizmente sim, e sempre que consigo tento compensar o tempo de ausência. Hoje sinto que tenho esse apoio claro em casa para exercer este cargo na plenitude que ele merece, e que os reguenses merecem.
Tem algum hobbie que ficou “arrumado na gaveta” quando assumiu este cargo?
Gostava de fazer mergulho e deixei de fazer. Outra coisa que gosto muito, que já não faço tanto como antes mas continuo a fazer uma semana por ano, é ski. É uma semana que, não desligando completamente das minhas funções, mais usufruo em termos pessoais e familiares.
Aquilo que efetivamente considero que fica em falta é a questão da família e as relações pessoais, com amigos, porque o tempo não dá para tudo.
Entrando agora num diálogo mais político. Está neste momento a cumprir o segundo mandato à frente da autarquia de Peso da Régua. Ao longo de todo este tempo tem conseguido cumprir os seus objetivos?
Quando iniciei funções abracei um projeto muito desafiante, vindo de 12 anos de vice-presidência em que atingimos uma série de objetivos a que nos tínhamos proposto.
O grande desafio em 2017, quando assumi a presidência, era reinventar o projeto para Peso da Régua.
Se nos primeiros 12 anos a preocupação foi muito centrarmo-nos na melhoria de qualidade de vida no nosso concelho, seja na cidade ou nas freguesias, com equipamentos, infraestruturas básicas, requalificação urbana, etc, penso que o que tem marcado os meus mandatos é preparar cada vez mais o nosso concelho na dinâmica económica para poder dar resposta e utilizar todo o seu potencial, nomeadamente ligado ao turismo, assente no vinho e na vinha, no património e na paisagem.
Nos meus dois discursos de tomada de posse o vinho sempre teve um papel de destaque. No primeiro com uma referência à candidatura a Capital Europeia do vinho, tendo conseguido ser Capital Nacional, e no segundo com uma candidatura conjunta da região a Capital Europeia que, como é sabido, ganhamos.
Qual é a maior carência que Peso da Régua tem neste momento?
Ainda temos duas ou três carências que identificamos.
Temos a questão da saúde que estamos a suprir. Entendo que tem de haver uma resposta mais eficaz durante 24 horas e 7 dias por semana. É uma preocupação que já vinha do meu antecessor e que finalmente estamos a solucionar.
Outra carência que identificamos prende-se com a mobilidade. Peso da Régua tem problemas de mobilidade, temos uma estrada nacional que ainda atravessa a cidade sem ainda haver uma alternativa que permita retirar bastante trânsito do nosso centro, esse é também um desfio para os próximos anos. Temos um projeto que já teve avaliação positiva no estudo prévio, estamos agora a fazer os estudos de impacto ambiental e o de tráfego. O meu compromisso com os reguenses é que no final deste mandato tenha todo o projeto de execução concluído. Se conseguirmos encurtar timings e financiamento, melhor ainda, mas esse compromisso é para manter. É algo fundamental para a mobilidade que pretendemos para o nosso concelho.
Quando isto for uma realidade poderemos também olhar para a mobilidade urbana e para os transportes urbanos que é uma necessidade que temos, aliviando o tráfego diário no nosso concelho. Se houver uma rede de transportes públicos de qualidade pode ser uma ajuda.
Estas são algumas das nossas intenções para este mandato, que são muito importante para nós.
Além destes há mais projetos na calha?
Temos outros projetos, alguns em parceria com outras entidades que nos parecem fundamentais.
Estamos a desenvolver, em coordenação com a APDL, o projeto para a recuperação do Cais Fluvial, que é uma necessidade efetiva.
O Cais Fluvial é o principal porto de receção de passageiros em toda a via navegável do Douro. Apesar de estar bem cuidado, não responde às condições necessárias ao turismo, cada vez de maior excelência, que queremos atrair para a região.
Lançamos o desafio, estamos a desenvolver o projeto e já tivemos um conjunto de reuniões com algumas entidades sobre a recetividade à viabilização do mesmo. É uma ambição que temos para o futuro e que esperamos que seja uma realidade, melhorando muito aquilo que é a atratividade do nosso concelho.
Já há datas para a concretização desse projeto?
Ainda não chegamos a essa fase. Por agora a preocupação é a conclusão do projeto, que espero que seja em breve.
A fase seguinte é ir ao próximo Quadro Comunitário, porque não terá grande cabimento no PDR, e perceber onde o possamos encaixar. Na minha opinião pode encaixar como um Projeto de Preferência Regional, não é um projeto somente para a Régua porque muitos dos turistas que ali desembarcam, vão conhecer outros pontos de interesse da região fora do nosso concelho.
Havendo essa disseminação de pessoas pelo território, faz todo o sentido que ele seja considerado um projeto regional e não um projeto local, apenas de Peso da Régua. É assim que o vamos tentar enquadrar para que seja uma realidade.
No primeiro semestre do próximo ano deverão estar concluídas duas das grandes obras que tinha prometido à população na última campanha, o Hospital D. Luiz I e as termas das Caldas do Moledo. Que importância vão ter estas obras para o concelho?
A expectativa é que efetivamente as duas obras estejam concluídas no primeiro semestre de 2023, e ao serviço dos reguenses. Estas obras têm, desde logo, uma importância histórica e simbólica.
O hospital sempre foi um espaço de referência, mas foi perdendo valências ao longo dos anos. A reestruturação hospitalar com concentração, numa primeira fase em Vila Real, e depois também em Lamego, com a construção do novo hospital, que hoje sabemos que tem grandes problemas de afirmação não estando bem definindo se é um hospital pequeno ou um centro de saúde grande.
O hospital que agora está a ser requalificado vai ter uma Unidade de Convalescença com 30 camas, que consideramos essencial para o território, e deslocalizamos para edifício as duas Unidades de Saúde Familiar, criando novos espaços e as condições para termos um Atendimento Complementar Urgente 24 horas. Numa primeira fase irá dar resposta aquilo que eram as nossas maiores necessidades e a ambição da nossa população.
A saúde é para nós um pilar de desenvolvimento económico no concelho. Estamos a desenvolver outros projetos nesta área que em breve poderão vir a ser anunciados, implementando outras áreas da saúde em Peso da Régua.
As termas são outra obra simbólica para o concelho?
Felizmente todas as questões que atrasaram a resolução deste processo estão ultrapassadas, neste momento a ambição é que aquele volte a ser um espaço de referência.
Para que seja esse local de referência, não podemos apenas pensar nos balneários termais. Neste momento temos o balneário onde existiram as piscinas municipais, é aquele que fica em território de Peso da Régua, e que está a ser recuperado devendo estar pronto no primeiro semestre de 2023.
O objetivo desde já é que tenha serviços termais e de SPA e lazer. Vais ter as duas ofertas em virtude de ser o primeiro, não tendo o segundo balneário pronto, por agora. Todos os tratamentos que sempre existiram ali, estão desde logo garantidos neste renovado espaço.
A ambição depois é recuperar, em parceria com o TPN, o segundo balneário, numa segunda fase. Em seguida queremos requalificar todo o espaço exterior do próprio Parque Termal. Temos ainda a parte hoteleira que é para nós muito importante, temos património que é da Câmara e outro que é do TPN. Queremos juntar tudo e abrir uma concessão a longo prazo para aparecer uma cadeia hoteleira que possa pegar nesse processo.
Todo o projeto ficará finalizado com a criação de um Centro Interpretativo D. Antónia Adelaide Ferreira, num espaço que é do TPN, e que colmatará uma lacuna existente na região.
Este é o modelo macro global que temos para todo aquele espaço termal que hoje, num território que se quer afirmar cada vez mais como turístico, que precisa de crescer a nível de oferta hoteleira, tendo aquele património disponível, deve colocá-lo ao serviço da população.

Tem referido diversas vezes a dinâmica económica que quer trazer para o concelho. Numa altura em que o envelhecimento das populações do interior é evidente, havendo cada vez menos jovens, esta dinâmica pode ajudar a inverter esse ciclo em Peso da Régua?
Temos que ter a ambição de olharmos para o nosso território, e aí cada um ter de olhar per si, por concelho, e analisar em que podemos ser mais competitivos? De que forma podemos gerar valor acrescentado? Não vale a pena a autarquia investir em áreas onde não haja procura do ponto de vista económico.
Peso da Régua tem uma relação de proximidade com o rio, e na história sempre foi o centro do território de comércio de bens e serviços. Todos os serviços ligados ao setor do vinho estão cá, temos a confluência dos três eixos de mobilidade (fluvial, rodoviário e ferroviário).
São estes os propósitos pelos quais temos que nos guiar, e a aposta que o concelho tem feito no turismo nos últimos anos é para ficar, até porque temos uma situação privilegiada.
Tudo aquilo que já falamos antes sobre obras e projetos no concelho, por um lado tem o objetivo de melhorar a qualidade de vida de quem cá vive, e por outro tornar o nosso concelho mais atrativo e competitivo, trazendo novos investimentos.
Atrevo-me a dizer que, desde Covelinhas, onde começa o nosso território a montante, até Caldas do Moledo a jusante, toda esta frente ribeirinha tem tido investimentos que já estão concluídos, em obra e em projetos. É uma zona de elevado potencial e é onde temos de nos diferenciar pela autenticidade que temos.
Com isto contribuímos para o todo. A desertificação que o país está a registar é mais evidente no interior e alguns momentos da história são responsáveis pelo acelerar desse processo, como foi para nós o encerramento da Casa do Douro, tal como o hospital e as termas.
O nosso foco é encontrar soluções para fixar gente, e para isso é necessário criar as condições para que as pessoas tenham a sua própria habitação, um aspeto que muitas vezes fica esquecido.
As decisões que toma no dia a dia, nem sempre são do agrado de toda a gente. Isto condiciona a sua atividade de alguma forma?
Vivemos num sistema democrático. Estou aqui porque a maioria dos reguenses entendeu que eu devia ser o seu legítimo representante, alicerçado num conjunto de compromissos que assumi.
Naturalmente que o meu trabalho só será efetivo se for de encontro aquilo que são as ambições e as expectativas dos reguenses. Contudo, isto não quer dizer que muitas vezes, numa primeira fase, não existam reações negativas em algumas decisões que tomamos.
Por norma gosto de ser contido, avaliar bem todas as decisões, prover a discussão das mesmas e muitas vezes faço até discussões públicas para que as pessoas se possam pronunciar.
Mudando de tema e olhando para a realidade da CIM Douro, o autarca de Peso da Régua tem a noção que o conceito da “capelinha” já está ultrapassado? Há consciência que juntos são mais fortes?
Claramente. Esse espírito é, cada vez mais, uma marca da nossa Comunidade Intermunicipal do Douro. As conquistas têm que ser em conjunto, independentemente do município que diretamente possa ser mais destacado nela.
Aquilo que cada um dos municípios conquistar melhora a nossa região num todo. Hoje há essa consciência e já há provas e resultados efetivos dessa nova consciencialização dos autarcas. Hoje, se temos um Governo e um Ministro que vem ao território do Douro afirmar que a Linha do Douro irá eletrificada até Barca D’Alva, deve-se àquilo que foi a audácia e a persistência dos autarcas, com o apoio claro da sociedade civil quando foi chamada a assinar uma petição.
Se hoje somos Cidade Europeia do Vinho, foram os autarcas que se juntaram e fizeram uma candidatura comum. Já começamos a ter a perceção clara que é nesta rede que é a região do Douro, que deve ser uma só, que temos que nos suportar e trabalhar.
Se olharmos para o nosso território e se acharmos que o que é feito aqui, nos realiza e satisfaz, e o resto é paisagem, estamos errados. Não é assim. Há um trabalho conjunto que tem vindo a ser feito, do qual começam a surgir resultados.
São conquistas que nos motivam também para novos projetos e novas lutas. Uma delas, e que considero que merece a nossa urgente atenção, é a questão da Casa do Douro. Claramente que esse vai ser o desafio para os próximos tempos.
Faço parte da Comissão e vou voltar a promover discussões nesse sentido. O Douro tem que ter uma Associação Pública de Direito Privado que faça a efetiva defesa dos pequenos viticultores. Temos património que está ainda entregue a uma Comissão Administrativa, que fez o seu trabalho, e que neste momento está pronta para entregar a uma associação que tem que ser criada.
Está nas mãos dos políticos criar essa associação e dar-lhe competências para que ela possa contribuir para aquela que será a realidade deste território. Ao contrário do que acontece no país, estamos a falar de uma necessidade em que há dinheiro. Quando se fala de qualquer projeto, o problema é sempre dinheiro.
Neste caso estamos a falar de uma situação em que o valor do património em existe na Casa do Douro, edificado e vinho, depois de pagas as dívidas, ascenderá a mais de 60 milhões de euros. Muito dinheiro que pode alavancar todo este trabalho de desenvolvimento da região, que passa em grande parte pelo preço a que vendemos o nosso produto maior, o vinho.
Temos que valorizar o nosso produto, o preço por garrafa ou pipa tem que aumentar claramente. As dificuldades e os custos de produção que os nossos viticultores têm, são dos mais elevados que existem na Europa. Se a qualidade é inquestionável, temos que arranjar forma de valorizar o nosso produto para lhe dar sustentabilidade, naquilo que é a sua atividade económica.
Este tem que ser o mote. Foi o mote para a Cidade Nacional do Vinho, e vai ser o mote para a Cidade Europeia do Vinho. E será o mote da nova Casa do Douro (que para mim nem é velha nem nova, é a Casa do Douro). A nossa maior fábrica é claramente o nosso vinho, o nosso património e a nossa paisagem, e isso tem que ser cada vez mais valorizado.
Queremos formar mais gente cá, melhorar a produção e a forma como nos relacionamos com o vinho, para podermos ter condições para viver cá.
Para terminar e concluindo um raciocínio que fez enquanto falávamos do trabalho da CIM Douro, se há mérito que a Comunidade Intermunicipal tem é tomar decisões com o foco no todo em detrimento da parte?
Sem dúvida. O presidente da CIM é o autarca de Sernancelhe, o comboio nunca chegará a Sernancelhe, mas se há pessoa que tem lutado pela concretização deste projeto, é o Carlos Silva.
Hoje, estamos certos que se a Linha do Douro for uma realidade como esperamos, Sernancelhe também irá ganhar com isso. Como outro projeto irá ganhar Sernancelhe em prol de outro.
Temos que olhar para os projetos em prol de um todo. Essa é uma grande conquista desta CIM, fruto do trabalho continuado que tem existido, era uma realidade nova há uns anos atrás mas que agora faz parte do nosso dia a dia. E começamos a ver frutos.