A grave crise nas cadeias logísticas internacionais que se manifestou durante a pandemia Covid, agravada pela interrupção temporária do canal do Suez e, mais recentemente, o fenómeno inflacionista registado nas matérias-primas, sobretudo à conta do brutal aumento dos custos da energia, em parte, mas não só, resultado da Guerra da Ucrânia, puseram de manifesto algumas fragilidades adicionais no setor vitivinícola português.
Como é conhecido, desde o início do ano de 2021 começaram-se a sentir dificuldades de aprovisionamento, nomeadamente de materiais de engarrafamento, que afetaram, principalmente, as pequenas e médias empresas, a larguíssima maioria do tecido empresarial vitivinícola português.
Aos aumentos significativos nos prazos de entrega, sucederam-se, ao longo do ano, aumentos de preços com algum significado, indiciador do que a seguir viria.
A crise pandémica e os largos períodos de confinamento, por todo o mundo, tiveram, como se sabe, um efeito positivo nas vendas do setor dos vinhos e outras bebidas alcoólicas. Um produtor francês de garrafas referia, nessa altura, que as grandes marcas de espirituosos, a nível global estavam a aumentar as suas compras em percentagens de dois dígitos! A sua importância para estes fornecedores e o seu poder negocial tiveram como consequência que a capacidade adicional de produção lhes fosse destinada, na quase totalidade, deixando os pequenos e médios produtores em evidentes dificuldades de conseguir entregas deste tipo de material de embalagem.
Adicionalmente, esta crise surge num contexto de um enorme processo de consolidação empresarial criando gigantes no setor de materiais de embalagem, em busca de ganhos de escala e de oportunidades de redução de custos (nomeadamente no cartão, garrafas e vedantes) e que tornaram diminuto o poder negocial da grande maioria das empresas portuguesas do setor vitivinícola.
Como se estes problemas de falta ou atrasos no abastecimento não bastassem, a espiral inflacionista induzida pelo lado da oferta, em consequência dos aumentos dos custos energéticos tem vindo a promover efeitos muito nefastos para o equilíbrio económico e financeiro das nossas empresas. As garrafas pagam-se, à data de hoje, mais de 50% acima do que se pagavam no ano passado. Também com aumentos muito significativos, o cartão, o papel, as paletes de madeira, os produtos enológicos e as aguardentes.
Também, no setor primário, os aumentos são muito significativos. Para além dos combustíveis, também os produtos fitossanitários estão a sofrer elevados aumentos. Se o clima se mostrar adverso, nos próximos meses, e impuser um número elevado de cuidados e tratamentos, a fatura para os agricultores será seguramente muito pesada e impossível de ser acomodada nas suas margens financeiras atuais.
Os operadores económicos encontram-se hoje entre dois muros. Por um lado, incapazes de resistir aos aumentos de preços que lhes são impostos a montante por fornecedores poderosos e organizados. Do outro lado, com manifestas dificuldades em poder repercutir estes enormes aumentos nos seus clientes nacionais e internacionais, nomeadamente na moderna distribuição que se tem vindo a mostrar inflexível na acomodação destes pedidos.
Se tal não vier a ser possível, as margens brutas e líquidas dos operadores deste setor irão sofrer enormes impactos, muito provavelmente duradouros, já que não se vislumbra a possibilidade de, noutros custos de estrutura, se poderem encontrar poupanças que compensem estas enormes perdas de margem. Sem margens não há remuneração do investimento, nem investimento em novos ativos, em promoção, inovação, eficiência, melhoria contínua, investigação e desenvolvimento, ou seja, não há futuro.
Os preços de venda dos nossos vinhos e produtos terão forçosamente de subir, nos próximos meses, quer nacional quer internacionalmente. Terá de haver a coragem, a perseverança e a determinação, por parte de toda a fileira vitivinícola em suscitar e manter as negociações necessárias para se obterem melhores preços, de modo ser possível a proteção de margens e a justa remuneração de toda a cadeia de valor. De outra forma iremos acrescentar fatores de insustentabilidade e a um setor que manifesta, sob várias perspetivas, debilidades estratégicas e estruturais.