Miguel Cadilhe foi o precursor da candidatura do Alto Douro Vinhateiro a Património Mundial, dando uso à sua paixão pelo Douro.

Recordando o processo de candidatura, como foi pensado e organizado todo esse trabalho?
Eu era Presidente da Fundação Rei Dom Afonso Henriques, com sede em Zamora. Foi preciso uma organização transfronteiriça, mas com sede em Espanha, para lançar a candidatura.
Eu tinha um espanto pelo Douro que resultava de um homem do litoral ter ido fazer tropa para os Rangers em Lamego. Aproveitava a minha estadia em Lamego para visitar a região em redor e ficava impressionado com a riqueza patrimonial e histórica. O trabalho do Homem no Douro também me deixou profundamente impressionado. Isto ficou sempre comigo.
Quando vou para Presidente da Fundação combinei com o Virgílio Folhadela, presidente da Associação Comercial do Porto, que ele levantaria a questão de levar o Douro a Património Mundial, na reunião do Conselho Geral da Fundação, e eu procuraria acolher a ideia. Havia um equilíbrio difícil entre os Patronos espanhóis e os portugueses, sendo que eles, por terem criado a Fundação, tinham uma posição qualitativa.
A solução que encontrei, foi criar uma Comissão mista para apreciar, com toda a objetividade e independência, quais os trechos do grande Vale do Douro, da nascente à foz, poderia ser candidato a Património Mundial.
Foi essa Comissão que concluiu que o Alto Douro Vinhateiro (ADV), era o que mais probabilidades teria para conseguir o galardão de Património Mundial. Criou-se uma equipa técnica presidida, a meu convite, pelo Professor Bianchi de Aguiar, da UTAD, constituída por pessoas de grande qualidade, e que preparou o processo de candidatura que foi apresentado à UNESCO, e que resultou na classificação do Alto Douro Vinhateiro Património Mundial, já eu não era Presidente da Fundação.
Uma candidatura deste género custa muito dinheiro, há várias despesas e honorários a pagar. As visitas da UNESCO ao ADV também tinham custos. Na altura a solução foi encontrar dentro da Fundação, financiamento para o processo, e todos os que recebemos foram portugueses. Uma estratégia a pensar no apoio dos espanhóis, libertando-os de um custo com algo que estava totalmente dentro do território de Portugal. Andei de chapéu na mão a pedir financiamento.
Em algum momento chegou a ser posto em causa o sucesso desta candidatura?
Houve uma altura em que o financiamento me deixou muito preocupado. Depois de vencer o equilíbrio espano-português, através da Comissão Técnica mista, e depois de convidar o Bianchi de Aguiar para constituir uma equipa, tremi um pouco. Fiz questão de princípio que o pagamento seria todo português, como imagina isso caiu bem junto da comunidade espanhola da Fundação, e calou algumas voz que estariam a levantar-se.
O prolongar de todo o processo podia fazer a ideia morrer, como já tinha acontecido antes, havia esse risco. Na altura o jornal Público, se não estou em erro, falou em obstinação. Foi com essa designação que me adjetivaram, no bom sentido, em todo o processo.
Passados estes 20 anos do Alto Douro Vinhateiro – Património Mundial, que contributo teve esta classificação para a região?
Eu não sou juiz mas considero que, do ponto de vista qualitativo, não é medível. O Alto Douro Vinhateiro e as regiões vizinhas estão num patamar de tal modo superior de qualidade que a comparação é impossível. Atribuo isso à outorga da classificação.
Adiante, fui para Presidente da Agência Portuguesa do Investimento (API), onde o grande dossier que fizemos para atrair investidores, nacionais e estrangeiros, foi precisamente o dossier “Desenvolver o Turismo no Vale do Douro”, o primeiro de todos, em 2003, tendo como grande argumento a classificação.
Mais tarde o próprio Governo apresentou o Plano de Desenvolvimento Turístico do Vale do Douro, do qual foi relator o Arlindo Cunha. A API é que faz o desenvolvimento do turismo no vale do Douro e hoje em dia o setor não se compara com o que era há 20 anos atrás.
Certamente que haverá algumas lamentações mas, quanto a isso, penso que é bom que um corredor vá à frente enquanto os outros o tentam acompanhar. É bom que haja concorrência. É bom que andem os barcos no rio porque isso desperta as pessoas a criarem outros trajetos, em terra, que atraiam essas turistas.
Depois há a Linha do Douro, a reabertura que a Liga dos Amigos do Douro Património Mundial (LADPM), propôs em Petição Pública. Infelizmente é daqueles projetos que, do ponto de vista do centralismo governamental, é subalterna. Mas devia ser uma das prioridades se houvesse descentralização regional. Acredito convictamente que venha a ser uma realidade, não sei quando, mas acredito que os argumentos são tão óbvios que haja alguém que consiga abrir os olhos a quem está a gerir o centralismo.
Aos poucos essa sensibilização vai-se fazendo, isso ficou claro quando esta petição foi subscrita, unanimemente, por todos os partidos na Assembleia da República, um processo muito bem conduzido pela LADPM.

Quais são os grandes desafios que enfrenta hoje a Região Demarcada do Douro?
As pessoas mais conhecedoras da economia do vale do Douro, e em particular do ADV, têm-me dito que há várias questões: as alterações climáticas, a falta de mão de obra qualifica e não qualificada, e muitas outras.
É preciso que o tecido empresarial se reinvente, pode continuar a apostar nas riquezas da região, o vinho, o azeite e o turismo, mas criando novas soluções, e trazendo novas ideias. Acho que os empresários conseguem antever as dificuldades e os problemas, e no Douro há quem seja capaz de o fazer.
É preciso criar condições para reter e atrair jovens que tenham outra visão do mundo, que já tenham saído do país e agora regressam e venham para o Douro.
Para finalizar pedimos-lhe uma mensagem para o Douro e para os durienses nos próximos 20 anos.
Os economistas não pensam a tão longo prazo (risos). Um dos maiores economistas do mundo disse uma frase que citamos muito: “A longo prazo estamos todos mortos”. Não vale a pena a gente preocupar-se com o muito longo prazo até porque qualquer cenário que seja traçado (com exceção para o comportamento demográfico), vai estar errado.
Preocupemo-nos mais com o presente e o futuro aqui próximo, a três ou cinco anos.