Destaque Entrevista Freixo de Espada à Cinta

Nuno Ferreira "O lado pessoal nunca se irá sobrepor ao coletivo"

Texto e Fotos: Carlos Almeida |

Numa conversa com o autarca e o homem, Nuno Ferreira, eleito para o primeiro mandato em setembro de 2021, conta ao VivaDouro como foi a transição do município e como o trabalho autárquico o obriga a estar longe de alguns momentos familiares.

Ser autarca implica uma dedicação ao cargo que vai muito além das habituais 8 horas de trabalho. O que se perde ao dedicar o dia a dia à causa pública?

É muito difícil dissociar esses dois lados, o pessoal e o profissional estão fundidos num só. Aquilo que se perde, não vou omitir, são os momentos com a família que acaba por ficar um pouco em segundo plano, é a realidade.

A partir do momento que enveredei pelo caminho da causa pública, e da luta pelos valores que acredito serem os mais justos a sociedade, decidi que o faria de uma forma aberta, honesta e justa. A política faz-se todos os dias. Quando a política deixar de estar no seu estado mais puro, saber ouvir, colocando em prática aquilo que acreditamos, deixará de fazer sentido.

Para mim, o lado pessoal nunca se irá sobrepor ao lado coletivo. Entendo que todos juntos conseguiremos levar a bom porto qualquer projeto. Sozinho isso jamais poderá ser conseguido, pelo menos algo que seja duradouro.

Há três premissas que eu tenho, uma é que só tem importância aquilo a que se dá importância, segunda é que os lugares são de passagem, enquanto cá estivermos damos o nosso melhor, e a terceira, que é fundamental, é que independentemente do cargo que desempenhe, devo entrar puro e sair puro.

Estou certo que é isso que a minha família me pede e me pediu ao longo da minha vida. Sei que compreendem todas as ausências às quais já fui obrigado pelas funções que desempenho.

Quando deixei o Governo para ser autarca, tive de escolher entre o meu país e o meu concelho, escolhi Freixo de Espada à Cinta, uma escolha fácil. Amo demais o meu concelho para o poder abandonar.

Tomar decisões como autarca implica sempre agradar a uns e desagradar a outros. Do lado mais pessoal, consegue-se lidar com o facto de saber que a decisão irá desagradar alguém?

Consegue-se. Dizer sim a todas as decisões qualquer um pode fazer, dizer não nem todos conseguem.

Acredito piamente que se tomarmos uma decisão que sabemos que não agrada a todos, devemos sabê-la explicar. Justificar o porquê dessa decisão, não a tomando de ânimo leve.

Quando assumimos a autarquia tivemos que tomar decisões que estou certo que não agradaram a todos. No dia em que eu passar a decidir com base na opinião dos outros sobre o que é correto ou incorreto, deixarei de ser autarca e passarei a ser uma marioneta como muitos no passado.

Um autarca tem que ter o poder e, sobretudo, a capacidade intelectual de tomar decisões em prol da população.

Se me pergunta se o lado humano está patente? Claro que esse está sempre presente, mas no bem coletivo. Somos sensíveis a todas as situações, mas sempre com o ónus de trabalhar em prol da população do concelho de Freixo de Espada à Cinta.

É também nesse sentido que aparece o projeto da Presidência Aberta?

A Presidência Aberta é a melhor forma de ser completamente aberto e honesto com a população. Normalmente vai-se às freguesias de quatro em quatro anos, por altura das eleições, aquilo que o nosso executivo fará é passar todos os meses, pelo menos uma vez por cada uma das nossas freguesias.

Passar não é para visitar, é para resolver os problemas, ver com os próprios olhos, e sujeitar-se à crítica da população.

É uma iniciativa que é coordenada com os presidentes de junta porque são eles quem está mais próximo das pessoas no dia a dia. Temos o atendimento ao público na autarquia mas entendemos que as pessoas, em especial as mais idosas e desprotegidas, merecem o nosso máximo respeito, por isso também devemos ir ter com elas. Não contem comigo para fazer uma política de gabinete.

Centrando agora a nossa conversa no contexto mais político. Já passaram sensivelmente três meses desde a tomada de posse, como foi a transição da anterior governação autárquica?

Começamos a nossa governação precisamente no dia 13 de outubro de 2021. A nossa forma de estar é governar ano a ano, fazendo o melhor que consigamos para o concelho. Foi o que aconteceu desde esse dia até ao último do ano 2021.

Fizemos o Sabores e Tradições, a inauguração da iluminação da Natal, tomamos medidas pró-ativas, mudamos instalações do município, levamos a cabo um conjunto de ações que foram benéficas para a população e, acima de tudo, devolvemos a alegria ao concelho de Freixo de Espada à Cinta.

Há algo que é perentório, e que devemos falar sem fugir à sua questão. O que podem esperar do Presidente da Câmara Municipal de Freixo de Espada à Cinta, é que nunca deixará nenhuma questão sem resposta. A comunicação social será tratada com todo o respeito, ao contrário do que aconteceu no passado recente, movendo-se pelo seu próprio interesse, jamais. A comunicação social cumpre o papel que o 25 de abril lhe deu, levar a verdade à população, esteja do nosso lado ou contra nós.

Regressando à sua questão, de uma forma muito direta. Encontramos um município moribundo, que não tinha uma linha condutora, quer a nível de financiamento, quer, tão pouco, de recursos humanos.

Quem me antecedeu não teve a seriedade de assumir o seu compromisso com quem a elegeu, ocupando o seu lugar na oposição, como eu fiz no passado. É mais importante saber perder do que saber ganhar, aí vê-se o verdadeiro carácter das pessoas.

Quem me antecedeu não teve a honestidade de fazer uma reunião de transição.

Quem me antecedeu não teve a frontalidade de dizer quantos recibos verdes, prestadores de serviços, existiam na autarquia. Algo que sempre procurei saber, descobrimos que havia 93 prestadores de serviços no município, uma fatura mensal superior a 70 mil euros. Quase um milhão de euros no final do ano, uma situação incomportável.

Quem me antecedeu não teve a hombridade de apresentar a real dívida da câmara, quer de curto e médio prazo, que ascende a mais de 2,5 milhões de euros, quando em 2020 era de 1 milhão e pouco. São dívidas, muitas delas, a pequenos fornecedores, só nas bombas de combustível da vila ascende a 100 mil euros. Outra são mais de 600 mil euros a uma sociedade de advogados.

É incomportável que tenham sido gastos 178 mil euros em publicidade nos anos de 2019, 20 e 21, sendo que 2020 e 21 foram anos de pandemia, em que não se realizaram eventos, por exemplo. Quando tentamos ainda aproveitar alguma verba destinada a este serviço, a mesma já estava toda gasta, no início do mês de outubro. Não faz sentido nenhum.

A minha antecessora deixou no gabinete do autarca, e no Salão Nobre, um gasto em mobiliário de 76 mil euros. Garanto que as cadeiras não são de ouro mas custaram 76 mil euros. Não é forma de governar.

Não houve o cuidado de fazer a transição dos assuntos pendentes no município, nem tão pouco dizer que a dívida real da autarquia, no dia da mudança, ascendia a quase 14 milhões de euros. Sabíamos, porque era público, que essa dívida rondava os 12 milhões mas quando assumimos funções percebemos que afinal esse valor era superior. Esta não é uma forma séria de se fazer política, nem de se governar para a população.

Os vencimentos dos funcionários da autarquia estavam em causa no mês de novembro. Assim que chegamos tivemos que alterar a rubrica que é alocada às despesas com pessoal, reforçando-a, porque não tinha dinheiro para pagar os salários aos funcionários, isto é muito grave. Os funcionários da autarquia têm as suas famílias e os seus compromissos no final do mês.

É inadmissível que o Embaixador Chinês, e o Chefe da Delegação Chinesa, enviem correspondência para o município e não obtenham nenhuma resposta.

Para a anterior autarca a seda era uma clara aposta, nem o processo de certificação foi sequer iniciado, é um trabalho que nós já estamos a fazer. Porquê? Por falta de pagamento do processo.

O PDM estava parado, tem que ser executado até 2023. Por falta de pagamento. Compromissos atrás de compromissos que foram assumidos e nunca foram pagos.

Parece anedota mas não é. A nossa inscrição no Congresso da Associação Nacional de Municípios foi barrada inicialmente porque havia uma dívida de 10 mil euros, por não pagamento de cotas anuais. Que credibilidade por ter a Câmara da Freixo quer na praça quer com os seus pares?

Na Associação dos Municípios do Douro Superior, a dívida da autarquia é superior a 600 mil euros.

Há muita responsabilidade e factos para apurar aqui. Neste momento está tudo nas mãos das entidades competentes, e nós estamos a levar a cabo uma auditoria externa ao município, votada por unanimidade na Assembleia Municipal e na Reunião de Câmara.

As responsabilidades têm que ser apuradas. À política o que é da política, à justiça o que é da justiça. Quem me antecedeu, com muita sinceridade, não deixou saudades.

Todos esses problemas, em especial a dívida da autarquia, podem por em causa algum projeto pensado para o executivo que lidera?

Como é óbvio isto acarreta dificuldades de governação mas, algo que o Presidente da Câmara de Freixo nunca fez, nem nunca fará, é virar as costas à luta. Nós vamos à luta.

Pretendemos ir buscar algumas verbas ao Fundo de Apoio Municipal (FAM), com o objetivo de pagar já as dívidas de curto e médio prazo aos fornecedores.

Um compromisso que assumimos, e que fica aqui registado, é que passaremos o prazo de pagamento médio, das dívidas de curto e médio prazo, de mais de um ano, para 30, 60 dias.

Nós fomos eleitos para governar e levar Freixo a outro patamar, é isso que vamos fazer. Iremos seguir o caminho do reequilíbrio financeiro, colocando o município com contas certas, seguindo o caminho do desenvolvimento e do progresso.

Já referiu que encara a governação ano a ano, contudo tem certamente uma visão transversal ao que quer que seja o seu mandato. Qual o caminho que pretende seguir?

Apresentamos um manifesto eleitoral às eleições de setembro de 2021, que foi sufragado e escolhido pelas pessoas. É esse o documento que queremos cumprir. Sabemos que não será cumprido a 100% mas 85 a 90% tem que ser cumprido.

Há três “bandeiras de campanha” que assumimos claramente, sendo que duas delas estão já praticamente cumpridas.

Uma foi a colocação do ensino secundário em Freixo de Espada à Cinta. Posso afirmar aqui que isso será uma realidade já a partir de setembro deste ano, num modelo único no país, não havendo limite de idade para a inscrição. Será uma formação financiada, 200€ por mês a cada aluno, com apoio ao alojamento e alimentação para alunos deslocados. Esta formação será em três áreas distintas: cozinha, turismo e viticultura. Uma promessa cumprida ao final de três meses.

Nesta área da educação pretendemos ainda ir aos PALOP atrair estudantes criando em Freixo de Espada à Cinta um mini IPB, elevando Freixo a outro patamar.

Freixo de Espada à Cinta é a porta de Portugal para a Europa, é onde o Douro começa, o “ground zero” do Douro é no Mazouco. Há que o assumir com toda a segurança.

Outra “bandeira” é o alargamento do horário de funcionamento do Centro de Saúde. Já iniciamos esse movimento a nível nacional, em vez de fechar às 22H00, passar a fechar às 00H00. A proposta foi apresentada na AMDS e foi apoiada por todos os autarcas, independentemente da cor política, trata-se de defender o interesse das nossas populações.

Em Freixo de Espada à Cinta estamos a 1 hora de Mirandela ou a 1H45 de Bragança, estamos longe dos grandes centros hospitalares. Os profissionais de saúde que estão no nosso concelho, independentemente de serem auxiliares, são profissionais de excelência, conseguem fazer o mesmo trabalho que se faz em Mogadouro. Mais do que falar do interior é preciso praticar o interior com políticas pró-ativas. Após as eleições vamos falar com o Ministério da Saúde sobre este processo que já está em andamento.

Tivemos o cuidado de falar com o diretor da ULS Nordeste, Carlos Vaz, dizendo ao que vínhamos. Não queremos só o alargamento do horário do Centro de Saúde como a reposição das valências que foram retiradas, como a reabertura da sala de fisioterapia.

A terceira “bandeira”, e que também já é um processo em andamento, é a saída do município da ADIN.

As negociações com a ADIN têm corrido bem e com seriedade. O objetivo é devolver a Freixo de Espada à Cinta preços de água que sejam justos com a nossa população. É um assunto que requer alguma calma e muito estudo mas estamos a dar o nosso máximo para que a sua conclusão seja efetivamente uma mais valia para os nossos munícipes.

São três “bandeiras” que assumimos e que estamos a cumprir.

Freixo de Espada à Cinta tem dois pilares onde queremos alicerçar a nossa governação, o turismo e a agricultura.

Em fevereiro, posso também deixar aqui esta informação, vamos estar presentes na Expo Dubai. Somos pequenos de tamanho mas grandes de coração e é isso que vamos mostrar. Fechamos ontem uma parceria com a AICEP para estarmos presentes divulgando a seda, que é ainda trabalhada tradicionalmente no nosso concelho.

O Castelo de S. Jorge, que recebe milhares de turistas diariamente fez já uma encomenda de produtos de seda a Freixo de Espada à Cinta, num valor considerável.

Falando só deste ano, vamos ter ainda o certame da Flor da Amendoeira. Uma festa com o conceito fora do habitual, realizada em três fins de semana com animação, artesanato e gastronomia. Em abril vamos ter uma prova de BTT, a Race Nature, que trará ao concelho mais de 400 pessoas.

Logo a seguir à Páscoa, as seleções de sub-17 de voleibol feminino, de Portugal e Espanha vão estagiar aqui em Freixo. A corrida do 10 de junho. O campeonato nacional de volei de praia que contará com uma etapa na Congida. As festas de verão, que sempre foram uma referência mas que foram abandonadas nos últimos 8 anos. Já próximo do final do ano mais uma edição da Feiras dos Sabores e Tradições.

Uma iniciativa que também iremos levar a cabo este ano é realizar uma ceia de Natal em Paris. Temos de ir ao encontro dos nossos emigrantes, pessoas pelas quais temos o maior respeito, pedindo-lhes que regressem no verão, não só durante uma semana, mas um mês inteiro.

Estamos a trabalhar com os olhos postos no futuro, mas com os pés bem assentes no presente, governando com a máxima transparência.

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