O Natal é, por tradição, uma época vivida em família, junto daqueles que mais amamos, com alegria, contudo, nem todos podem viver esse espírito como os reclusos do Estabelecimento Prisional de Lamego (EPL) que o VivaDouro visitou.

No total são quase 80 os reclusos nesta instituição, privados da liberdade pelos crimes que cometeram passam estes dias entre atividades que ajudam a colmatar a distância de casa e a ausência dos que são mais queridos.
“Tentamos que esta época seja passada com bastante dinamismo para eles estarem ocupados. Os reclusos participam na decoração do EP, preparam a festa de Natal, que este ano acontece dia 19 de dezembro, em associação com uma escola com quem trabalhamos, o que lhes dá uma vivência desta quadra, não só do dia de Natal propriamente dito.
Todos os anos organizamos um almoço de Natal com os familiares, aqueles reclusos que o pretendam fazer só têm que nos comunicar e nós preparamos uma refeição para que possam ter esse momento em família”, conta-nos a diretora Maria José Ferreira.
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Apesar destas atividades desenvolvidas na instituição há prisioneiros que preferem a tranquilidade da cela para passar estes dias, nada que Maria José Ferreira não esteja já habituada pela longa experiência que tem, contudo, são situações às quais a própria diretora e os guardas prisionais se mantêm atentos para evitar situações de tensão ou depressão que possam existir entre os reclusos.
“Nesta altura de Natal estamos mais atentos, nomeadamente às situações em que sabemos que eles estão mais frágeis, em especial aqueles que sabemos que têm falta de apoio familiar. Sabemos à partida quais são as situações a que devemos estar mais atentos e estamos sempre alerta. Pode acontecer uma situação inesperada, por exemplo, com a saúde de um familiar de algum recluso mas nesse caso eles também sabem que estão à vontade para nos falar dessa situação para que nós, dentro do possível, minimizemos qualquer questão.
Da experiência que eu tenho aqui é sabido que há sempre reclusos que preferem não ter uma participação ativa nestes momentos, ficam mais recatados, mais pensativos, algo que nós respeitamos desde que não haja ali algum problema, como uma depressão, por exemplo. Eles sabem que estão à vontade para viverem esta época da forma que quiserem, com as devidas condicionantes de estarem reclusos.
Este é um estabelecimento prisional (ep) de pequenas dimensões logo o acompanhamento que fazemos em relação aos reclusos é muito próximo, conhecemos todos pelo nome e estamos por dentro da situação de cada um, o que faz com que as situações nunca cheguem a ser demasiado graves”.
Também António Pereira, Guarda Principal do EPL nos fala sobre essa preocupação, apoiado nos já muitos anos de experiência neste serviço.
“Para quem está recluído esta nunca é uma época fácil, é uma altura em que se fala e pensa muito na família e eles acabam por estar privados de muita coisa aqui dentro.
Tentamos estar atentos a qualquer situação que possa acontecer, sabemos que há reclusos que nesta altura se fecham mais, ficam mais recatados e acabamos por ter mais atenção a estes homens. Se não quiserem participar nas atividades não são obrigados, há quem prefira isolar-se, só temos que nos manter vigilantes com possíveis situações de depressão de algum detido, nesses casos temos que agir em conformidade”.
Patrick Albuquerque, é natural de Viseu, tem 41 anos e depois de dois natais vividos em reclusão, este ano conseguiu uma saída precária para passar a esta quadra em casa, junto da família.
“É difícil, estamos longe dos nossos familiares e das regalias que lá fora temos, estamos privados da nossa liberdade, é normal. Ir a casa este ano é muito bom, é algo a que só damos valor depois de perder. Fizemos algo de errado e estamos a cumprir uma pena mas não é uma situação fácil para ninguém, são as consequências da vida”.
A possibilidade de ir a casa durante o Natal é, por agora, uma expectativa para Pedro Fonseca de 36 anos, natural de Sernancelhe, que nos confessa que passa estes dias com alguma ansiedade enquanto a resposta não chega.
“Já tenho tido algumas saídas precárias e neste momento estou à espera da resposta para saber se consigo passar este Natal em casa. Há alguma ansiedade e nervos mas também muita esperança em receber um resposta positiva.
O Natal é a data que mais gosto e estar aqui é complicado, mesmo com o afeto que recebemos dos guardas e da diretora, ajuda a ficar mais leve mas, quando vamos para a cela e ficamos a pensar nos nossos familiares custa muito”.
Discurso diferente tem Cristiano Carvalho, natural de Peso da Régua, este homem de 32 anos já sabe que passará o Natal longe da família. Com filhos menores, este detido não esconde o sofrimento marcado nos olhos lacrimejantes enquanto fala à nossa reportagem.
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“É complicado, com muitas saudades dos filhos, da mulher, da família… é complicado mas temos que ter força. A família é o que faz mais falta, em especial nesta altura que se fala tanto nos momentos em família.
Esta é a primeira vez que estou preso e não quero voltar, numa época tão especial como esta damos ainda mais valor ao que perdemos ao sermos privados da nossa liberdade e faz-nos refletir nisso.
Tenho alguns amigos e familiares aqui e sempre dá para nos sentirmos um pouco mais reconfortados, o problema é quando chega a hora de recolher e temos de ir para as nossas celas, é nesse momento que começamos a pensar e numa noite como a de dia 24 isso custa ainda mais, só queremos que chegue o dia seguinte”.
Para amenizar o sofrimento são várias as atividades organizadas na instituição, desde o almoço com a família até à festa de Natal, organizada em parceria com uma escola com a qual o estabelecimento tem um acordo e onde os reclusos participam com momentos musicais e algumas peças de teatro.
Também na noite de consoada os reclusos vivem momentos diferentes com o típico bacalhau à hora de jantar, o bolo-rei e uma visita da diretora e do Chefe dos Guardas que aproveitam o momento para dar umas palavras de conforto aos homens que ali se encontram, bem como uma pequena lembrança para marcar o dia.
“Por hábito, no dia da Consoada eu e o Chefe de Guardas vimos cá sempre ao jantar para estar um pouco com eles, dar-lhes umas palavras de conforto e esperança e damos também uma lembrança individual a cada recluso. É a forma de dizermos que estamos com eles nestes momentos, e eles gostam disso.
Há familiares que estão mais longe e que não vêm cá com regularidade que nesta altura nos pedem para fazer uma visita, são situações às quais damos uma atenção especial porque são pessoas que não estão cá e em especial nesta altura tentamos que seja possível fazerem essa visita ao seu familiar ou amigo. Tem que haver um lado humano nas nossas decisões, em especial numa época como esta”, conta-nos a diretora Maria José Ferreira.
A mesma ideia é partilhada pelo Guarda principal António Pereira que sublinha que esta é uma forma de fazer os reclusos sentirem mais reconfortados.
“Durante esta época vamos tendo diversas atividades, desde a festa ao almoço que eles fazem com a família ou a noite de consoada em que a diretora e o chefe de guardas vêm estar um pouco com eles, dar uma palavra de conforto e uma lembrança. São momentos importantes para que eles não se sintam abandonados aqui, estão reclusos mas são seres humanos e isso é importante”.
Esta atenção aos reclusos é também sublinhada pelos três homens com quem a nossa reportagem falou, confessando que apesar de todo o sofrimento são momentos que ajudam a passar as dificuldades do isolamento daqueles que lhes são mais importante.
“O Almoço de Natal é um momento bom porque nos permite estar com a família, não é só a nós que custa esta situação, para eles que estão lá fora longe de nós também não é fácil.
As palavras que nos dizem de esperança e força são reconfortantes mas aquilo que queremos é ir para a cela, adormecer e esperar que esta noite passe rapidamente.
Podemos estar presos por ter cometido um crime mas temos sentimentos e uma época como esta é sempre um momento difícil em especial para aqueles que não têm uma ligação com as famílias por isso também nos tentamos apoiar um pouco uns aos outros, este é um ep que não é muito grande por isso acabamos por ser mais próximos uns dos outros”, conta-nos Pedro Fonseca.
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Entre as diversas atividades, a que Cristiano Carvalho destaca é o almoço com a família que lhe permite estar algum tempo com os filhos.
“Fazemos uma festa onde nós participamos com músicas, peças de teatro ou outras atividades relativas à época.
O almoço de Natal que fazemos com a família é a melhor parte, é uma vez no ano e para mim, que tenho filhos é ainda melhor. É especial, temos um pouco mais de tempo com aqueles que gostamos, posso dar de comer aos meus filhos, por exemplo, e isso é muito bom, mesmo sendo uns dias antes do dia de Natal.
Na consoada comemos bacalhau e também nos dão bolo rei, filhoses e um pequeno cálice de champanhe. A diretora e o chefe dos guardas vêm sempre dar-nos uma palavra de consolo e esperança, juntamente com uma pequena lembrança”.
Patrick Albuquerque, o detido que este ano já passará o Natal junto da família, refere a atenção da diretora e do chefe dos guardas são um dos momentos mais importantes pelo lado humanizante do gesto.
“Temos a festa de Natal que é feita com a escola, temos a consoada e mesmo a diretora e o chefe dos guardas fazem questão de nessa noite nos dar uma pequena lembrança e algumas palavras até para nos ajudar a suportar esta reclusão.
Só o facto de receber uma lembrança da diretora, por exemplo, é muito bom para nós, faz-nos sentir que não somos esquecidos, que não estamos aqui abandonados a um canto. Podemos ter cometido um crime mas isso não significa que tenhamos de ser colocados de parte, esquecidos”.