Entrevista

"Não é compreensível que em 90% de percurso no IC5, não se consiga fazer uma chamada"

A cumprir o seu último mandato à frente da autarquia de Torre de Moncorvo, Nuno Gonçalves faz um balanço positivo do tempo já passado, faltando-lhe ainda cumprir algumas metas até 2025.

Ser autarca implica uma dedicação ao cargo que vai muito além das habituais 8 horas de trabalho. Quem fica a perder com esta dedicação?

Um autarca não pode ser considerado um funcionário público, tal como as oito horas não podem estar coladas à pele do autarca.

Quem se candidata a este cargo tem que estar disponível 24 horas por dia, não que esteja a trabalhar em contínuo mas tem que ter essa disponibilidade. Isto, em primeiro lugar, repercute-se na família.

Mas já existia essa consciência no momento da candidatura ou só se percebe quando se chega ao cargo?

Essa consciência já tinha até porque não somos alheios, aos nossos antecessores e a todos os autarcas do país.

Desde logo, não podemos ser alheios ao bom trabalho que os autarcas fazem no país. Os resultados económico-financeiros, da dívida pública, tudo isso, baixou nas autarquias e não teve o mesmo correr, em termos estatísticos, com o Poder Central.

Os autarcas são isso mesmo, se nas grandes cidades, Lisboa e Porto, são quase ministros locais, nestas vilas temos que estar disponíveis para falar de um empréstimo de milhões, de um evento de milhares, ou de um paralelo da estrada.

Tudo isto obriga a que sejamos abordados na rua com questões do dia-a-dia. Já tinha a noção disso, obviamente, mas quando se chega ao cargo é que temos a real noção do envolvimento constante que é.

Tudo isto só resulta se tivermos um bom apoio familiar. Podemos combinar e não aparecer ao jantar ou chegar mais tarde, ainda ontem isso aconteceu, uma reunião que se prolongou e saímos bem mais tarde. O autarca tem que estar plenamente convencido, tal como a sua equipa e família, que esse é um dos condicionalismos da função.

Para além desta questão das 24 horas, mesmo as férias não são como nós gostaríamos que fossem. Por tradição, na autarquia sou sempre o último a escolher o período de férias, faço-o em função dos outros. Mas mesmo nas férias nunca desligamos verdadeiramente. A única semana em que realmente desligo, quase totalmente, é a semana que passo habitualmente com o meu filho na neve, que é normalmente na época da Páscoa.

Desse não abdica?

Tento ao máximo não abdicar até porque é a semana em que realmente tenho oportunidade de estar com ele.

Falou da família, e o homem por trás do autarca, teve que abdicar de alguns hobbies em prol da função?

Tive obviamente que abandonar alguns dos meus hobbies mas faço-o conscientemente. Ser autarca é estar dedicado à vida pública e, portanto, eu tenho consciência que há determinadas coisas que podia fazer quando estava na minha vida pessoal, que hoje em dia, fruto da escassez do tempo, não consigo realizar.

A família entende tudo isto? Como se compensa?

Desde logo a família entendeu a partir do momento em que fui candidato em 2013. Se me apoia? Sim. Se pela família teria sido candidato? Não. A família vive neste dilema.

Para os compensar o que faço é, durante essa semana que referi, e nos poucos fins-de-semana que possa ter livres, estou a 100% com eles. Isso é algo que não abdico.

Posso até dar um exemplo. A Federação Portuguesa de Pesca Desportiva convidou-me para ir aos Estados Unidos receber a passagem de testemunho do Campeonato do Mundo. Estávamos com a discussão do orçamento, não fui, era mais importante para a vida do município estar aqui.  Com o passar do tempo no cargo aprendemos a gerir este tipo de situações, e eu desde cedo habituei-me a isso.

Vai entrar agora no seu décimo ano como autarca. O que idealizou no primeiro dia que assumiu o cargo está maioritariamente conseguido ou nos três anos que restam ainda há muito para fazer?

Espero concluir no decorrer deste décimo ano do meu mandato um investimento importante quer para o concelho, quer para as pessoas, que é a reflorestação da Serra do Reboredo. Esse seria o maior legado que este executivo poderia deixar aos seus sucessores e vindouros.

O projeto já tem financiamento garantido para o ano de 2023 por isso acreditamos que o objetivo será alcançado.

Não é compreensível que em 90% de percurso no IC5, não se consiga fazer uma chamadaPerfeitamente convicto que o vai conseguir?

Estou convicto que com o montante que foi destinado a essa obra, quase 1,5milhões de euros, será possível realizar até dezembro de 2023.

Qual é hoje a maior carência do concelho de Torre de Moncorvo?

A nossa maior carência está desde logo relacionada com a reestruturação administrativa que foi feita.

Temos necessidade de ter melhores cuidados médicos, e quando digo isto é ter aqui um Serviço de Urgência Básico (SUB). Quando nos retiraram, em 2007, o serviço permanente, prometeram assistência com duas viaturas. Contudo, a SIV que está em Mogadouro está parada porque não há verbas para a reparar, a SIV que está em Foz Côa esta semana esteve parada com a greve dos assistentes técnicos. Moncorvo deixou de ter esses meios de urgência de proximidade.

Esta é a grande lacuna do nosso concelho. O que exigimos é que esses meios diferenciados estejam também no concelho, que foi uma das contrapartidas que se conseguiu na altura. Para mim não é distinta uma vida de Torre de Moncorvo ou de outra grande cidade, não podemos atribuir valor às vidas por estarem no interior ou no litoral.

As decisões que toma no dia-a-dia nunca são do agrado da totalidade dos moncorvenses. Como lida com isso?

Nenhuma das decisões é tomada por uma única pessoa, e eu também não as tomo.

Dando como exemplo o processo de alteração da imagem do município, essa decisão foi partilhada com a população através de um referendo. A população pode votar usando os recibos da água, escolhendo a sua marca, foi uma decisão da maioria.

Obviamente aqueles que escolhiam outra opção argumentaram mas a decisão foi tomada em maioria. Até posso dizer que não era o meu favorito mas pela escolha dos moncorvenses foi aquele o escolhido. É muito melhor quando diluímos estas decisões e não temos o ónus sobre nós.

O mesmo acontece com os Orçamentos Participativos que fazemos, se a escolha é feita pela população, são esses projetos que temos de executar.

Os meus colaboradores sabem que lhes estou sempre a pedir para me trazerem ideias e propostas. O presidente da câmara tem uma ideia do seu concelho mas é uma visão macro, por isso temos que descer ao que para nós é micro, mas que para as pessoas é macro. É dessa forma que tento sempre tomar as decisões.

É mais um presidente de gabinete ou de exterior?

Gostava de ser mais de exterior, mas fruto das condições que aqui encontrei quando chegamos, vi-me obrigado a ser mais um presidente de gabinete. Sou hoje um presidente de gabinete fruto dessas circunstâncias.

É uma falha da qual nunca me consegui libertar, da necessidade de, nos primeiros quatro anos, reduzir substancialmente o défice do município, reganhar a confiança dos fornecedores e o bom nome da autarquia. Foi um trabalho que, pode não ser visível aos olhos das pessoas mas que depois conseguiu ter o seu retorno, quando em 2019 o Anuário dos Contabilistas Portugueses, coloca Torre Moncorvo como 14º município a nível de execução financeira, em todo o país.

Esse foi o prémio do esforço e o ponto de partida para estarmos num ranking que nos permita alavancar esse esforço e ir buscar fundos.

Uma das políticas com que aqui entrei e da qual nunca me afastei, foi potenciar ao máximo os fundos comunitários. Numa autarquia com fundos próprios limitados como a nossa, é fundamental que saibamos aproveitar da melhor forma todo o dinheiro que conseguirmos ir buscar.

Não deixa escapar um euro?

Não há um euro por realizar se estiver com os fundos comunitários. Essa é a matiz dos nossos orçamentos.

Neste orçamento explico isso na nota introdutória. Coloco lá várias rúbricas a 500 euros, ninguém faz uma obra por esse valor, mas estamos já a pensar o que vamos fazer. No meu segundo orçamento colocamos uma rúbrica que ainda hoje usamos que é o Município Eco21, infelizmente hoje é uma necessidade mas na altura era a forma de pensarmos. Ainda não havia medidas para a retirada do amianto das escolas, da recuperação dos rios Sabor e Douro e numa educação sustentável. Logo nessa altura colocamos na escola uma máquina para evitar que os miúdos levassem garrafas de água para a escola, usando apenas um kit que lhes era oferecido no início do ano letivo, cada copo de água retirado a máquina contabilizava as garrafas de água de plástico que estávamos a poupar.

Afirmou que é um autarca que partilha ideias e decisões. Confrontado a tomar uma decisão, entre a vontade das pessoas e aquilo que é melhor para o município, o que escolhe?

O município em primeiro lugar, óbvio que tentando sempre agregar a vontade do máximo de pessoas possível.

O Jorge Luís Borges dizia: “O que é a pátria? Nada é a pátria, todo o somos”, portanto, se nós formos buscar o mesmo, o que faz o município são as pessoas, daí não podermos ir contra elas.

Apesar disso, naquilo que entendermos que é importante para o município, como foi a integração na ADIN, por exemplo, fazemo-lo com convicção. Nesse momento sentimos que mais importante que o preço final era a qualidade da água e irmos buscar meios comunitários que melhorassem a qualidade do serviço e da vida das pessoas. Assumimos uma política de qualidade, mesmo que as pessoas se mostrassem reticentes.

Sempre o fez sem se preocupar em contar os votos que poderia perder?

Esta decisão sobre a água aconteceu a um ano de eleições, se não fosse assim não a tinha tomado.

Até ao final do seu mandato, o que falta ainda realizar?

Há duas situações que nunca foram resolvidas e que quero resolver.

Uma que tem a ver com a Escola Visconde Vila Maior que é um agrupamento que não tinha um pavilhão ou uma sala especial para a prática de desporto. Felizmente esta situação estará resolvida até maio de 2023.

A reflorestação da Serra de Reboredo é outra, mas já falamos sobre isso.

Há outras questões que ultrapassam a lógica exclusiva do município, estando mais relacionadas com a CIM Douro.

O município de Torre de Moncorvo está empenhado na CIM, como é óbvio. Entendemos que a visão do distrito já não faz sentido mas sim a lógica da Comunidade Intermunicipal.

Nos projetos de revisão constitucional, que ainda não tive oportunidade de os ler a todos de forma mais atenta, devia haver alterações legislativas que permitissem os círculos uninominais, mas verdadeiramente alocados às CIM’s e não aos distritos que já nem no Ordenamento Jurídico aparecem.

Nesta lógica da CIM temos o fecho do IP2, que é importantíssimo, a questão da ligação Pocinho – Barca d’Alva em ferrovia e, atrevo-me eu a dizer agora, a ligação do Pocinho a Vila Franca das Naves. Já tivemos o cuidado de enviar esse projeto para o Ministro, porque esse era o desencravamento em termos económicos da região de Trás-os-Montes. Estes três eixos são essenciais.

Acredita que em 2025 estejam concretizados?

Concretizados não digo, mas acredito que em 2025 a ligação Pocinho – Barca d’Alva está em andamento e sem hipótese de parar. Caso contrário seria o descrédito total, não de um ministro mas do Governo na sua totalidade. Quando vão dois ministros assumir isto, o problema seria do próprio Governo.

O fecho do IP2 espero que se consiga por duas razões. Em primeiro para concluir a ligação entre o interior e o litoral, pelo interior. Depois porque não pode ser só a parte pertencente a Torre de Moncorvo não fique concretizada. Apelo a que o Ministro das Infraestruturas tenha a coragem de ter um projeto realizável. Já tivemos três hipóteses, mas o que é certo que nenhuma avançou.

Temos que potencializar este Douro transmontano em termos turísticos, daí ser também necessário ver com os operadores que hoje estão no Douro, o que é que eles deixam no território.

Há outra situação que hoje está na ordem do dia e que Torre de Moncorvo já sentiu, a situação das comunicações.

Tivemos já uma situação exemplificativa deste problema com um médico que veio dos Estados Unidos com um projeto de saúde e que se quis instalar aqui. Passados dois dias veio falar connosco a dizer que se ia embora porque não conseguia ter ligação internet em condições para enviar dados do seu trabalho.

Estamos numa era dos nómadas digitais, este território, que já não é reconhecido pela sua dimensão geográfica, mas pelo número de habitantes, fica numa posição enfraquecida face a outras localidades. Esta foi uma vantagem que o Covid trouxe, o relançar do interior pela qualidade de vida, mas não nos podemos contentar em estar aqui sentados a ter esta conversa e ouvir o chilrear dos passarinhos, temos que ter algo mais, temos que estar conectados a qualquer hora com qualquer parte do mundo. Isto só se consegue se houver uma boa conectividade que é uma coisa que aqui não existe.

Não é compreensível que em 90% de percurso feito numa estrada estruturante como o IC5, não se consiga fazer uma chamada de telefone. Se há um acidente não se consegue falar.

Esta conectividade era outra melhoria que gostava de deixar em 2025, o município está disponível, esperemos que as operadoras e o Estado português também estejam para verdadeiramente olhar para este território em termos de discriminação positiva.

Já falou da CIM, uma estrutura onde tem responsabilidades acrescidas como vice-Presidente. A Comunidade Intermunicipal do Douro é exemplo de trabalho em equipa? Já caiu a ideia de cada um olhar para a sua “capelinha”?

As “capelinhas” acabaram. Pode haver aí ainda algum resquício mas acabaram. Isto resulta também da forma eficaz como o atual presidente da CIM, o Carlos Silva Santiago, levou a cabo, pelo diálogo e pela forma que dá o exemplo que a preocupação deve ser o todo.

Olhemos para o exemplo da Linha do Douro, nunca passará em Sernancelhe, mas o presidente da CIM foi dos primeiros a dar a cara por este projeto, e isso é muito importante.

Espero que este Quadro Comunitário tenha verbas alocadas à CIM que permitam não só fazer o pacto, o entendimento entre os 19, mas ter autonomia para todas as verbas. Desta forma evitaríamos que dois municípios semelhantes, como Lamego e Régua, por exemplo, um receba 14 milhões de euros para o PEDU e o outro apenas 2. Isto não é coesão. Por isso defendo que as verbas devem ser alocadas à CIM e esta fazer a distribuição mediante as necessidades e o território.

A importância que damos a alguns projetos em Moncorvo, Foz Côa, ou Sernancelhe, não pode ser menor do que em Vila Real que, por ser o maior tem uma responsabilidade acrescida em ser a alavanca e o motor da região.

A presidência da CIM costuma dizer que não somos 19 autarcas mas 19 vereadores de uma enorme cidade que se chama CIM Douro, com 200 mil habitantes. É isto que temos de ter em mente.

A UTAD, em Vila Real, tem a responsabilidade científica não de Vila Real mas da região. Os projetos que alavancam esta região têm que ser de todos. Nós temos um rio que nos une e não duas margens, deve ser esta a ideia que nos deve pautar.

Na CIM não existe o confronto entre os municípios, trabalhamos em conjunto e em solidariedade, em prol da região como um todo.

Com o aproximar do fim do seu último mandato, já tem ideia de quem será o seu sucessor?

O meu sucessor será alguém que as estruturas partidárias entendam. Sendo eu um homem que tenta estar a cima da lógica partidária entendo que os partidos são essenciais para a democracia, essa é a lógica.

Nesse sentido, o meu sucessor, no meu pensamento está escolhido mas as entidades político-partidárias terão de dar o seu aval.

Percebendo que não que avançar com um nome, é alguém que já está integrado na autarquia?

Como digo, na minha cabeça está perfeitamente definido, não direi mais do que isto.

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