Os estudos de viabilidade económica, financeira, técnica e ambiental da reabertura da Linha do Douro, no troço entre o Pocinho e Barca d’ Alva, foram apresentados, no início deste mês, em Freixo de Espada à Cinta, na presença dos ministros Pedro Nuno Santos e Ana Abrunhosa, obtendo em todos luz verde à intervenção.
Desde o encerramento do trajeto, de cerca de 28 quilómetros, que liga o Pocinho a Barca d’Alva, em 1988, têm sido muitas as reivindicações de populações e políticos para a sua reabertura, uma posição que parece agora ganhar um novo fôlego com a promessa do Ministro das Infraestruturas que irá mesmo avançar.
O estudo de viabilidade económica da reabilitação da Ligação Ferroviária Pocinho/Barca d’Alva, desenvolvido pela Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Norte (CCDR-N), e apresentado hoje em Freixo de Espada à Cinta, aponta para uma estimativa global de custos na ordem dos 75 milhões de euros, dos quais 60 milhões de euros serão destinados à obra de reabilitação, 3,5 milhões de euros para projetos e 11,2 milhões de euros para fiscalização e estaleiro.
O documento conclui ainda que “o projeto é rentável do ponto de vista económico, com os benefícios económicos, sociais e ambientais a superarem os custos”, pelo que, “recomenda a sua execução”.
No que diz respeito a fontes de financiamento o estudo aponta que devem ser consideradas possibilidades como o Orçamento de Estado ou o Programa Regional Norte 2030, que tem revista uma dotação orçamental de 92 milhões de euros para investimentos na ferrovia, nomeadamente nas linhas do Douro (troço Peso da Régua – Pocinho), do Vouga e estudos no Sousa.
Ainda sobre financiamento, o estudo aponta a possibilidade de financiar o troço Régua-Pocinho através de mecanismos nacionais e europeus associados ao Plano Ferroviário Nacional 2030 (PFN2030), deixando assim a dotação prevista no Programa Norte 2030 para o financiamento da ligação Pocinho – Barca d’Alva.
De acordo com o documento os benefícios totais do investimento “são de 84,2 milhões de euros”, gerando “importantes impactos”, em especial no setor do turismo que, logo em 2029 deveria representar 81,6% dos utilizadores, chegando aos 91,7% em 2059.
“No total dos 26 anos de exploração do projeto, o valor acrescentado bruto (VAB) na fileira do turismo irá aumentar em 101,2 milhões de euros a preços constantes e serão criados mais de 4.700 postos de trabalho, sendo que as atividades económicas mais beneficiadas serão a hotelaria e a restauração”, salienta o estudo.
De acordo com o documento, o VAB do projeto “é de 42,5 milhões de euros e a taxa interna de rentabilidade económica (TIRE) é de 8,04%”.
Nas conclusões do estudo é ainda possível ver que a reabertura deste troço significaria a criação de 4724 novos postos de trabalho, tendo um impacto a rondar os 101M€ no PIB da região, contabilizando não só os quatro municípios diretamente servidos pelo troço (Figueira de Castelo Rodrigo, Vila Nova de Foz Côa, Torre de Moncorvo e Freixo de Espada à Cinta), mas a todo o território do Douro.
O que dizem os intervenientes do processo?
Pedro Nuno Santos – Ministro das Infraestruturas e da habitação
"Temos muita gente a clamar reformas mas a reforma que fizeram durante décadas na ferrovia foi desinvestir na mesma e abandoná-la. Aquilo que hoje estamos a fazer é o contrário, hoje temos praticamente toda a nossa rede ferroviária em obra. Estamos noutro paradigma, estamos numa nova era.
As obras demoram tempo a fazer, há estudos de diversa ordem que precisam ser feitos, projetos, empreitada, etc. É difícil recuperar 40 anos de atraso na ferrovia em poucos anos mas é esse o trabalho que estamos a fazer.
A Linha do Douro tem um potencial único no Mundo que deve ser aproveitado em toda a sua plenitude, e por isso queremos que o comboio chegue até à fronteira.
Esse é um desfio em que temos que estar permanentemente envolvidos, conseguir justiça e respeito para todos. Por isso é que temos que fazer um esforço para dar resposta a reivindicações antigas da população.
O estudo foi fundamental, mas mais fundamental ainda foi a força das populações, dos autarcas e da coesão territorial. O ministro entra também no comboio, mas quem o pôs a andar foi a região, as pessoas e os autarcas”.
João Paulo Sousa – Presidente da Câmara Municipal de Vila Nova de Foz Côa
"É uma decisão importante para o território e para a região, de discriminação positiva do interior. De facto nós, autarcas e população da região, ansiávamos há muito por esta decisão. Não estou, neste momento, eufórico porque já tivemos várias falsas partidas. Neste momento estou expectante para tentar perceber se de facto temos condições para avançar.
A decisão política foi concretizada mas ainda não vi onde se vão buscar as verbas correspondentes, resta esperar pelo primeiro trimestre de 2023 para perceber se irá haver uma derrapagem temporal ou não. Neste momento todas as cautelas estão em cima da mesa.
Se de facto se concretizar, evidentemente que ficarei muito contente e estarei ao lado do Governo para apoiar as decisões que acharem convenientes. Só não quero ser enganado mais uma vez, não podemos esquecer que em 2009 foi assinado um protocolo de intenções sobre a reabertura da linha. Na altura tive oportunidade de comentar que não sei o que é um protocolo de intenções, sei o que é um protocolo de concretizações, portanto, neste momento vou dar o benefício da dúvida, ao Governo e, se se concretizar, então darei os parabéns.
Não tenho dúvidas sobre os propósitos quer do ministro Pedro Nuno Santos, quer da ministra Ana Abrunhosa. Gostaria era, e já o disse antes, que o Primeiro-Ministro António Costa se pronunciasse publicamente sobre a reabertura desta linha, dando o seu aval político à questão.
Era muito mau que depois deste envolvimento dos dois ministros, e não só, não podemos esquecer as declarações da ministra Ana Mendes Godinho, que afirma ter raízes em Foz Côa, e que na altura da campanha eleitoral defendeu com unhas e dentes este projeto.
Tenho alguma duvida que três membros do governo venham aqui de uma forma “kamikaze” afirmar algo sem aval do Primeiro-Ministro, mas gostaria de não ouvir este silêncio ensurdecedor de António Costa.
A linha trazia não só os turistas mas dava também muito trabalho às gentes de Foz Côa. Este é um investimento que irá trazer muitos postos de emprego mas também um novo dinamismo para a região e para o nosso concelho, sem dúvida. Será importante para povoar uma região que tem sentido uma sangria diária de pessoas".
José Manuel Gonçalves – Presidente da Câmara Municipal de Peso da Régua
"Será difícil reabrir a totalidade da linha até Barca d’Alva em 2029. Temos que ser pragmáticos e sérios neste assunto. Olhando aquilo que são os calendários normais de execução.
A linha neste momento ainda só está eletrificada até Marco de Canaveses, para chegar até Barca d’Alva ainda há um longo percurso pela frente. Há processos burocráticos bastante complexos, do ponto de vista técnico e de contratação pública.
Vai ser lançado agora o troço Marco – Peso da Régua, que naturalmente terá os seus constrangimentos e dificuldades, bem como as limitações de execução até porque não podemos interromper a linha e perder por completo a mobilidade no território, nomeadamente nos períodos de maior afluência turística. Vão haver sempre atrasos para além dos habituais.
De Peso da Régua ao Pocinho não existe sequer projeto ainda, o que temos é uma decisão política que nos diz que é para avançar, mas nem sequer há projeto técnico, que vai ser lançado agora e que sabemos que demora o seu tempo com estudo de impacto ambiental, contratação pública, concurso… portanto, há aqui um dilatar de tempo.
No próximo ano vai seja lançado o projeto Pocinho – Barca d’Alva, aquilo que eu espero que possa vir a acontecer é que se fundam os dois projetos e a obra Régua – Pocinho não fique por aí e que, com o financiamento que consigamos arranjar seja Régua – Barca d’Alva. Mas os timings irão ser sempre maiores.
É importante ter a decisão política e governamental no sentido que tudo isto será realidade, é fundamental e algo que nunca existiu. Ao contrário do que muita gente diz, nunca se ouviu ninguém fazer uma promessa que a linha chegaria a Barca d’Alva. O ministro Pedro Nuno Santos tem sido sério e, até à reunião que aconteceu em Freixo de Espada à Cinta, nunca o tinha assumido abertamente, falando apenas numa ambição que havia.
Basta recordar uma conferência que realizamos aqui na Régua em 2018, sobre a Linha do Douro, tivemos um deputado do Partido Socialista que disse que ela nem sequer era uma prioridade, que ia bater num muro perto de Espanha, o IC26 é que era uma prioridade. Pois bem, nem uma coisa nem outra se confirmaram.
Felizmente hoje também eles já alinharam o discurso. Nas últimas eleições legislativas houve um consenso sobre o investimento na Linha do Douro, tal como hoje existe de forma geral. O Parlamento, por unanimidade, deu essa indicação, por isso considero que hoje há as condições políticas nacionais para isto ser uma realidade. Em termos de aplicação prática, ainda levará o seu tempo, não podemos é tirar o pé do acelerador e estar muito atentos a todos os timings.
Estou convencido que Porto – Barca d’Alva já não vai parar. O sonho é que nos orienta a vida e a ambição, e para mim esse sonho é ver Porto e Salamanca ligados por ferrovia. O nosso fim, aquilo que devemos sempre tentar alcançar, é isto. Para o território todo, se esta via se concretizar, será dos maiores sucessos turísticos na europa. Temos que acreditar nisso.
O estudo que foi apresentado garante a viabilidade da linha e há uma coisa que todos nós devemos ter consciência, o estudo é conservador, não foi feito de encomenda para justificar o investimento. Se nós tivéssemos que olhar para aquele estudo de forma mais crua, ele iria aumentar o potencial da linha, não o inverso. O que lá está plasmado peca por defeito e não por excesso, e é bom que as pessoas vejam que este projeto é bom para o território mas será muito positivo também para o país".
Carlos Silva – Presidente da CIM Douro
"Esfrego os olhos de esperança, e que isso venha a ser uma realidade.
Não há forma de fugir ao compromisso. A CIM Douro desde 2018 encontrou uma unidade para este projeto da Linha do Douro, conseguimos colocar este assunto na agenda política.
A sociedade civil, através da Fundação Museu do Douro e da Liga dos Amigos do Douro Património Mundial, conseguiu elaborar uma petição com mais de 13 mil assinaturas. Com toda esta dinâmica e envolvimento global, conseguimos a aprovação, por unanimidade, deste assunto na Assembleia da República.
Temos vindo a saltar etapas, com muito esforço e paciência, envolvendo a ministra da Coesão, que tem sido o elo de ligação com o Governo. Temos exigido datas e timings para que haja respostas.
Estamos agora à espera que chegue o final do mês de Março para sabermos em que ponto está o concurso para o projeto de execução. Cada passo tem que ser cumprido. Aguardamos que até final do mês de março o Ministro das Infraestruturas cumpra o que nos deixou em Freixo de Espada à Cinta, e depois arranjar solução de financiamento para reabrir este pedaço de troço até Barca d’Alva.
Acredito que se continuarmos como estamos sempre, determinados e exigentes, vamos conseguir. Não estamos a pedir nada em especial. Este é um simples investimento que o Governo pode fazer no território de interior em detrimento dos milhões que se investem no Litoral. O Governo não fará mais que a sua obrigação assim como nós não fazemos ao exigir mais para estes territórios de baixa densidade.
O principal ingrediente para o facto de termos tido um resultado bastante positivo até ao momento, é a unidade da CIM, não existem discussões ou decisões tomadas tendo em conta o partido A, B ou C. Todas as pessoas que compões a CIM Douro têm obviamente ligações partidárias, mas quando estamos na defesa de um projeto de interesse regional para o Douro, para o Norte e para o país, exigimos isto enquanto homens representantes de um povo, que se chama Douro. O Douro não tem partido e essa foi a razão pela qual conseguimos envolver todos nesta luta.
Dá jeitos aos Governos que, por vezes, haja estas divisões, coisa que o Douro ultrapassou há muitos anos e por isso é que temos conseguido colocar na agenda política a discussão de alguns temas que para nós são bastante importantes.
Este passo espelha a resiliência do povo duriense. Se não formos nós, autarcas, empresários e cidadãos, deste território, ninguém se lembra de nós. Temos que fazer lembrar Lisboa que o Douro existe".
Luís Almeida – Presidente da Associação Vale d’Ouro
"Em 2018 a Associação Vale d’Ouro deu voz aos especialistas ferroviários que apontaram a inequívoca necessidade de reabertura da Linha do Douro até Barca d’Alva e Salamanca para o desenvolvimento da região mas também deu voz à população desta região que há muito reclama esse investimento. Foi um evento em conjunto com o Município da Régua a que se seguiram diversas outras iniciativas que permitiram densificar o desejo do povo duriense.
Estamos obviamente satisfeitos com este anúncio contudo, depois de tantos anos de espera, desejávamos que não fosse preciso esperar tanto. Continuamos sem compreender porque motivo um investimento cuja evidência avassaladora foi agora confirmada pelo estudo de viabilidade da CCDR-N, mas que há muitos anos está a ser defendida na região e na União Europeia, tanto demorou a ser confirmado.
Estamos satisfeitos, como é obvio, mas vamos manter-nos atentos para confirmar que depois de décadas de avanços e recuos desta vez, é mesmo para se fazer.
Este prazo não pode ser aceitável para nenhum cidadão nacional. Estamos a dizer que a reabertura de um troço com 28 km em que atualmente não há exploração ferroviária num troço existente (o que torna o trabalho muito mais fácil), e com um estudo técnico de viabilidade e já bastante desenvolvido demorará mais tempo do que a construção da linha de Alta Velocidade entre o Porto e Soure (2028)!
Não pode ser, não é aceitável e a verificar-se apenas pode significar o desprezo absoluto para com a região, uma vez mais. Senão vejamos: o concurso para projeto está previsto para o primeiro trimestre de 2023, o projeto deverá estar concluído em 2024 e a obra poderá iniciar-se em 2025 com um prazo que não pode exceder ano e meio. No final de 2026 o comboio tem que começar a circular até Barca d’Alva.
Depois de décadas de espera e de desinvestimento, o mínimo que o Ministério e as suas tuteladas podem fazer é dar prioridade máxima a este investimento e concluí-lo dentro dos prazos mínimos aceitáveis. Caso contrário a região terá que pensar seriamente em como deverá ser ressarcida pelas promessas não cumpridas desde 2009 com a então Ministra Ana Paula Vitorino, já lá vão 13 anos".
António Saraiva – Presidente da Liga dos Amigos do Douro Património Mundial
"O passo dado em Freixo de Espada à Cinta significa uma vitória de todo um trabalho começado há já 3 anos pelo meu antecessor António Filipe, juntamente com a Fundação do Museu do Douro.
Já sabíamos que este projeto era viável, como este estudo vem agora provar, contudo, mesmo que não fosse viável económica e financeiramente, ele deveria avançar. A execução deste projeto poderá ajudar a fixar pessoas, e isso acabará por arrastar muitas outras.
Estamos habituados a ouvir falar do custo da insularidade, e o custo da interioridade? Não se deve olhar da mesma forma?
O estudo está aí e prova a viabilidade do projeto. Já há datas apontadas, com a exploração a dever iniciar em 2029, portanto, é um sucesso fantástico para nós, para a sociedade civil que é aquela que a Liga dos Amigos do Douro Património Mundial representa".