Estão á porta as vindimas, um momento de festa na região que ano após ano vai gerando a curiosidade de milhares de turistas, contudo, para quem vive da produção de vinho o momento é de apreensão.
De acordo com as estimativas lançadas pela ADVID, o aumento de produção poderá chegar aos 10%, isto apesar dos episódios de granizo e doenças registados um pouco por toda a região.
“O ano agrícola 22/23 começou por ser relativamente seco. Outubro e novembro foram secos e quentes, temperaturas altas em dezembro e janeiro acompanhadas de muita chuva, ao que se seguiu um fevereiro extremamente frio. Isto fez com que o abrolhamento tivesse um pequeno atraso.
[caption id="attachment_34837" align="alignleft" width="696"] Luís Marcos - Diretor Técnico da ADVID[/caption]O que verificamos é que o abrolhamento e a floração que aconteceu com tempo quente e seco, no mais curto espaço de tempo já registado, o que resultou em menos cachos, mas melhor vingamento das flores. Ou seja, temos menos cachos mas maiores e mais pesados”, afirma Luís Marcos, Diretor Técnico da ADVID, sublinhando ainda a previsão feita, “de uma forma geral o que se prevê é um aumento relativamente ao ano passado que pode chegar ao 10%”.
Luís Marcos explica ainda que essa previsão é feita “com base no cálculo do pólen recolhido no período de afloração e num constante acompanhamento de um total de 25 parcelas espalhadas por toda a região”.
O responsável explica ainda que “os episódios de granizo não vão ter grande impacto porque apesar de tudo foram muito localizados. O que nos coloca aqui algum grau de imprevisibilidade em relação à nossa estimativa é o impacto das doenças que surgiram com as chuvas de maio, em especial o míldio”.
Expectativa de aumento não é consensual
Se para a ADVID a perspetiva é de aumento da produção, para os viticultores esse não parece um cenário realista.
Rufino Pereira é proprietário da Quinta do Muro, em Canelas, Peso da Régua e da marca de vinhos Quilate. Com cerca de 20 hectares vinha, este produtor não subscreve a previsão da ADVID quanto à produção deste ano.
[caption id="attachment_34839" align="alignright" width="696"] Rufino Pereira - Qta do Muro, Vinhos Quilate[/caption]“A quantidade não sei se andará nos valores do ano passado. Ao contrário do que se tem falado que a produção poderá aumentar até 10%, aqui não me parece que vá acontecer isso. Estamos numa zona alta, fresca, num ano com muitos tratamentos, mas mesmo assim não consigo perceber esse suposto aumento”.
A mesma ideia é partilhada por Rui Paredes, responsável da produção no Conselho Interprofissional (CI), que não acredita que seja possível um aumento de produção comparativamente a 2022.
“A nossa expectativa é que esta seja uma vindima muito dura. Fala-se que vai ser um bom ano, não sei até que ponto o será porque tivemos várias situações de tempestades de granizo e doenças. Penso que se igualarmos a quantidade do ano passado já será uma boa colheita”.
Opinião distinta tem António Saraiva, administrador da empresa Rozés, que espera um ano bom em termos qualitativos e quantitativos.
“Nos últimos três anos houve pouca chuva e a quantidade e qualidade das uvas começavam a ressentir-se, mas este ano o cenário é diferente. Houve chuva no tempo certo, o clima está dentro do habitual, com noites frescas o que ajuda às maturações por isso será um ano muito bom”.
Benefício cai para 104 mil pipas
A Região Demarcada do Douro vai poder transformar este ano 104 mil pipas (550 litros cada) de mosto em vinho do Porto o mesmo quantitativo de 2021, mas menos 12 mil pipas do que em 2022.
O presidente do IVDP, Gilberto Igrejas, explicou que o quantitativo aprovado na reunião do Conselho Interprofissional (CI) assenta na necessidade de apostar na “consciencialização e valorização da Região Demarcada do Douro e dos seus vinhos em prol da sustentabilidade”.
[caption id="attachment_34836" align="alignleft" width="696"] Gilberto Igrejas - Presidente IVDP[/caption]A redução das 12 mil pipas é justificada por Gilberto Igrejas “tendo por base a crise inflacionista a que se assiste em alguns mercados”, bem como “quebras nas exportações para os principais mercados que consomem vinho do Porto”.
Apesar da abstenção por parte da produção na votação em relação ao quantitativo propriamente dito, o presidente do IVDP afirmou que “a decisão é unânime em torno da consciencialização da medida para valorizar os vinhos da Região Demarcada do Douro e da sua sustentabilidade”.
António Saraiva mostrou-se surpreendido com o resultado da reunião, não deixando de imputar responsabilidades ao IVDP pela falta de consenso entre as partes do CI.
[caption id="attachment_34835" align="alignright" width="696"] António Saraiva - Administrador Rozés[/caption]“Este ano viveu-se uma situação do CI que nunca pensei viver, sempre conseguimos consertar posições para que não fosse necessário o voto do IVDP. Este ano tentamos fazer o mesmo mas a produção absteve-se e houve um grande desconforto, uma situação que não é alheia ao jornal que o IVDP publica e que tinha lá escrito que pudesse haver uma quebra de 3% a nível de vendas.
O ano passado foi fantástico a nível de vendas, nos Portos e DOC’s, com estes últimos a continuarem a subir. Contudo, este ano o cenário é diferente e mesmo a venda dos DOC’s, pela primeira vez, está em queda”, explica o administrador que lembra ainda que as empresas “têm grandes stocks” e que foi novamente “aberta a destilação de crise”, falando ainda saber quanto cada empresa poderá destilar e que implicação isso pode ter na necessidade de compra de uvas este ano.
António Saraiva refere ainda que, em sentido oposto ao que sempre se registou, este ano devido à abundância de uva, pela previsão da ADVID, os preços das uvas para vinhos DOC também deverá cair.
“O preço do DOC estava em crescimento e já estava numa média de 450€ a pipa, contudo este ano deve registar-se uma queda porque aumenta a produção. Vai ser um ano de abundância na altura em que as vendas estão a cair”.
Com menos benefício e o preço das uvas a ser revisto em baixa, a preocupação é muita entre os viticultores que, por outro lado, vêm também os custos do seu trabalho aumentarem.
“A tal notícia da ADVID veio-nos dizer que vamos ter mais produção, esses senhores vêm dizer que não precisam de tantas uvas, portanto vão poder comprá-las mais baratas.
A ADVID não pode vir lançar esta carta para a mesa a dias do Interprofissional, vem desvirtuar o processo negocial porque quem compra fica logo numa posição confortável, se há mais produto logo o preço baixa, isto é a lógica do mercado.
Um ano que foi difícil, com granizo e doenças, chegamos a julho e o presidente da instituição que nos audita aceita uma medida que nos tira 11% daquilo que andamos a gastar durante o ano. Esta é a atual realidade da região.
Para quem não tem uma gestão rigorosa, está colocado à face do abismo. O granjeio de 2024 vai ser muito difícil para toda a região, mas vamos continuar a ter estes senhores, sentados no ar condicionado que no inverno aquece e no verão arrefece, que tomam uma decisão destas a 15 dias da vindima”, afirma Rufino Pereira.
O produtor questiona ainda o timing para a apresentação do quantitativo de vindima alegando que sobra pouco tempo para uma negociação séria entre quem vende e quem compra a uva, ficando o último beneficiado face às circunstâncias.
“Se o ano fiscal acaba a 31 de dezembro, porque é que esta decisão não é tomada no 1º trimestre ou, no máximo, até ao final de abril, porquê? Será do interesse de todos que o produtor não tenha tempo para encontrar outras soluções? Possivelmente é. O objetivo é que os produtores continuem a respirar por uma palha que é para nos terem sempre na mão”.
Para Rufino Pereira a sua vantagem é a aposta em outras áreas de negócio dentro da quinta, como a vinificação dos próprios vinhos e o turismo, que vão ajudando a gerir todo o processo, bem como os acordos já estabelecidos que mantêm os preços da última vindima.
“Ao longo deste tempo fui investindo em mais áreas de negócio na quinta, com a vinificação a partir de 2015 e mais recente a aposta no turismo. Ter a capacidade de vinificar dá-me algum conforto e elasticidade para negociar as uvas de outra forma, se não as vender ao preço que pretendo consigo transformá-las aqui.
Tenho uma parceria, selada com um aperto de mão, com uma quinta aqui próxima que ficam com os brancos que vinifico mas não quero engarrafar, e uma outra a quem forneço uvas tintas para fazerem os rosés.
Felizmente estas duas casas têm um comportamento exemplar e vão manter os preços do ano passado. Se não o fizessem a minha quebra não seria apenas de 10 mil euros”.
Preocupação é também a palavra que define o estado de espírito de Rui Paredes, sendo que o benefício poderia até ter baixado mais, o responsável da produção no CI defende que os preços deveriam seguir o sentido oposto e aumentar, algo que está muito longe da realidade.
“A reunião do CI deste ano foi muito desgastante para todos. Havia três propostas em cima da mesa, a redução do benefício, conjugada com uma proposta de redução da produtividade e outra de alterações dos quantitativos por letra. Três momentos em que houve necessidade de uma negociação difícil, que no final acaba sempre a prejudicar os pequenos viticultores, ou seja aquele que efetivamente devemos defender.
[caption id="attachment_34838" align="alignleft" width="300"] Rui Paredes - Vice-Presidente CI para a produção[/caption]A discussão do benefício para este ano partiu das 98 mil pipas, o objetivo era bastante mais baixo. Entendemos que o momento é de queda acentuada nas vendas de vinho e isso obriga-nos a ser todos mais conscientes. Contudo a realidade é que este também não era o momento de baixar das 116 para as 98, a não ser que houvesse uma compensação.
Não podemos dizer ao viticultor que vai ter menos benefício e vai receber menos pelas suas uvas, o trabalho destas pessoas tem que ser valorizado.
Já há muito tempo que a reunião não terminava sem um acordo entre as partes, mas este ano revelou-se impossível.
O quantitativo até poderia baixar mais, mas o preço por pipa também teria que aumentar significativamente. Este foi um ano em que foram necessários fazer muitos tratamentos com produtos cada vez mais caros, tal como acontece com a mão de obra. Os custos aumentaram exponencialmente”.
Para Rui Paredes uma das soluções para este problema seria a implementação do designado Contrato de Vindima, “um documento com três cópias, feito entre duas partes, o vendedor e o comprador. Nesse contrato ficaria explícito o preço a que as uvas seriam compradas e depois de assinado por ambos cada um ficaria com a sua cópia e a terceira era entregue no IVDP, como garante que seria cumprido.
Esta questão não passou porque da parte do comércio há o entendimento que isto resultaria numa cartelização de preços. Isto não faz nenhum sentido, se temos uma obra em casa também vamos pedir um orçamento e mediante o seu valor fazemos ou não. Contrario, seria o que ia acontecer aqui. Vamos continuar a lutar por isto, era algo que poderia credibilizar a relação entre as partes”.
Com as mesmas ou mais uvas, a um menor preço, a vindima deste ano promete algum desconforto na região na relação entre quem vende e quem compra.
A colheita declarada em 2022, na Região Demarcada do Douro, foi de cerca de 233 mil pipas de vinho, uma quebra de 12% comparativamente com o ano anterior e inferior à inicialmente prevista que rondava os 20%.