A ferrovia voltou à agenda mediática nos últimos meses. Atrasos ou cancelamento de comboios, más condições nas carruagens ou falta de pessoal são alguns dos problemas apontados. No Douro a discussão faz-se em torno da eletrificação da linha e da sua ligação a Espanha como fator de desenvolvimento regional e nacional.
O Governo já garantiu a eletrificação da linha do Douro até à estação de Peso da Régua, contudo essa vontade não está ainda colocada no papel. Atualmente a linha está ativa entre o Porto e Pocinho, mas cada vez se ouvem mais vozes que defendem a reativação da ligação ao país vizinho.
Na estratégia que delineou para a década 2020-2030, a Comunidade Intermunicipal do Douro (CIM-Douro), classificou a rede ferroviária de transportes e infraestruturas como "estruturante para a região".
No documento, a CIM, que representa os 19 municípios durienses, destacou a "importância da reabilitação e eletrificação de toda a linha ferroviária do Douro até à cidade do Peso da Régua, bem como a ligação a Espanha".
Num estudo recente sobre as ligações ferroviárias transfronteiriças, a Comissão Europeia reconheceu que a linha do Douro é de "grande potencial em termos turísticos e de coesão social".
Neste estudo foram identificadas 48 ligações com maior potencial e geradoras de maiores benefícios económicos, onde se inclui a linha do Douro, pelo potencial turístico que servirá não só o Douro vinhateiro, como também toda região do Norte e as cidades vizinhas espanholas.
A União Europeia reconheceu igualmente a centralidade que tal projeto conferiria à linha do Douro, que permitiria a ida do Porto a Madrid e volta no mesmo dia, o que atualmente não é possível.
Atrasos e composições com problemas graves
O desinvestimento a que esta linha se viu entregue nas últimas décadas é evidente para quem nela circula.
Recentemente, o CDS-PP levou a cabo uma ação de campanha tendo em vista a ferrovia e a Linha do Douro foi uma das que os elementos do partido de Assunção Cristas visitaram.
A ideia desta ação era de evidenciar os problemas que ali se registam e os exemplos não faltaram: desde a chegada a Peso da Régua de uma composição com cerca de meio século, alugada à RENFE, que além de circular atrasada, não pôde continuar viagem até ao Porto, devido a uma avaria, até à supressão do comboio especial turístico para que as suas composições fossem usadas para substituir a composição da RENFE.
Também no interior das carruagens foram detetados alguns problemas, entre eles a falta ou deficiente circulação de ar e alguns assentos que se encontravam soltos, podendo originar problemas graves de segurança para os seus utilizadores.
Ainda no mês de Março uma outra situação alarmou os utentes e toda a região para os problemas desta linha, um comboio que circulava entre a Régua e o Pinhão descarrilou depois de chocar com algumas pedras que tinham caído sobre a linha. Na altura não se registaram feridos e os passageiros puderam continuar viagem de autocarro, contudo, à memória vieram notícias dos acidentes ocorridos na extinta Linha do Tua
Comissão Europeia destaca potencial da Linha do Douro
O trabalho, realizado no âmbito das políticas de integração e coesão da comunidade europeia, analisou 365 ligações ferroviárias transfronteiriças, incluindo as que estão em operação, as encerradas e as que estão em falta (missing links), e identificou 48 ligações com maior potencial e geradoras de maiores benefícios económicos.
Uma delas é precisamente a que permite ligar o vale do Douro à província de Salamanca, referindo o documento o elevado potencial turístico desta ligação, tanto pelas paisagens, como também por ligar a região vitivinícola do Douro Vinhateiro com cidades históricas espanholas das regiões de Salamanca, Ávila e Madrid.
Através do Douro, refere o documento, é possível ligar (ida e volta) os centro do Porto, Salamanca e Madrid em menos de um dia. O investimento referido para resolver este missing link é de 578 milhões de euros.
O estudo tem apenas em conta o mercado dos passageiros e não o de mercadorias, constituindo este último um argumento acrescido, uma vez que o Douro é a ligação mais curta desde o porto de Leixões a Espanha e ao resto da Europa.
Obra anunciada ainda não avançou
A intervenção em curso para electrificar a Linha do Douro envolve apenas 16 quilómetros de via-férrea, entre o Marco de Canavezes e Caíde do Rei (Lousada), e não os 58 quilómetros que foram referidos no final de julho pelo Ministério do Planeamento e das Infraestruturas e que dizem respeito ao que está em obra mas também aos projectos existentes.
Na altura contactada pela comunicação social, a tutela indicou que a referência aos 58 quilómetros inclui "os troços que estão em obra e os que estão em fase de elaboração de projecto. Um dos motivos de alguns atrasos nas obras do plano Ferrovia 2020 deriva precisamente da inexistência dos projectos de execução: as obras estavam programadas no Plano Estratégico de Transportes (PETI 3+, de 2014)”
Contudo, nos restantes 70 quilómetros da Linha do Douro, entre a Régua e o Pocinho, não estão previstas obras de modernização nos próximos anos, dado que o projecto não foi considerado prioritário pela Infraestruturas de Portugal no âmbito do chamado Programa Nacional de Investimentos promovido pelo Executivo.
Comboio suprimido para reentre política
Já no final deste verão, e com a discussão sobre a ferrovia na agenda, a CP viu-se obrigada a suprimir o comboio turístico que circula na Linha do Douro devido ao uso da sua locomotiva para o transporte dos militantes socialistas que se deslocaram ao Minho para a reentre política do partido.
O comboio MiraDouro é um comboio turístico que circula diariamente, de julho a setembro, entre as estações de Porto-São Bento e Régua. A locomotiva Diesel é utilizada para fazer mexer as “carruagens produzidas na década de 40 pela fabricante suíça Schindler e colocadas ao serviço na rede ferroviária nacional entre 1949 e 1977”, refere a CP na página que promove este serviço turístico.
A CP aceitou realizar um comboio especial para transportar os militantes do PS para a festa de Verão do partido de António Costa numa altura em que a empresa se debate com a falta de material para conseguir realizar o serviço regular de passageiros. Contudo, ao longo deste ano, a empresa pública já recusou realizar este serviço, por exemplo, para os adeptos e sócios do Benfica que se deslocavam de comboio para o Estádio da Luz.
Peso da Régua foi palco para debate sobre a Linha do Douro
No passado dia 15 de setembro, o Auditório Municipal de Peso da Régua foi o palco para um debate sobre a Linha do Douro, promovido pela Associação Vale d’Ouro em conjunto com a autarquia local.
O debate contaria, entre outros, com o Secretário de Estado das Infraestruturas, no entanto o governante acabou por não aparecer deixando assim algumas questões sem resposta da parte dos restantes convidados e das dezenas de pessoas que assistiam na plateia.
Entre as apresentações iniciais e as questões que o público foi colocando, foram apresentados diversos argumentos, quase todos eles positivos, para o melhoramento desta linha e a sua ligação a Espanha, devendo agora ser elaborado um documento que a associação promotora do evento quer fazer chegar ao Governo.
Ascenso Simões – Deputado do PS por Vila Real
Quando falamos da Linha do Douro esquecemos a sua eletrificação. Para avançar com o projeto de levar a linha até Espanha é preciso primeiro eletrificar. Tal como nós, primeiro nascemos, passamos pelos 10 anos, 20, 25 e por aí em diante, o que este debate fez foi criar uma Linha do Douro para os 25 anos, e isso é errado.
Até agora só os deputados do Partido Socialista apresentaram, no âmbito do debate público do programa de investimentos, uma proposta para integrar a Linha do Douro. A CIM fez um grande programa e deve agora negociá-lo, é para isso que os senhores presidentes da câmara existem, para negociar com o Governo, não é comigo que sou apenas um deputado apoiante do Governo.
A Linha do Douro não tem que estar inscrita no 20-30, sabemos que os grandes projetos relativos à malha que não é a malha principal, estão todos englobados num volume global.
A Linha do Douro é tão prioritária que o Governo já anunciou 47 milhões de euros para a eletrificação entre o Marco de Canaveses e a Régua.
Carlos Silva – Presidente da CIM-Douro
Estamos numa oportunidade derradeira porque o interior tem-se evidenciado com a desertificação e se não forem criadas condições para que tudo se inverta, o Douro, daqui a uns anos terá de pagar às pessoas para viverem cá.
Eu tenho a certeza que no documento final do senhor Ministro do Planeamento estará patente e que eles os dois (o Primeiro-Ministro e o Ministro) farão história na região com a requalificação desta linha e a possibilidade que trará para o desenvolvimento económico de toda a região norte.
Se para o deputado Ascenso Simões esta obra estar ou não inscrita é a mesma coisa, então eu questiono para que existe o Plano Nacional de Investimentos, se é só para criar confusão nas pessoas então que deixe de existir, assim já não precisa de estar inscrito em lado nenhum. Se não estiver inscrito neste quadro só estará inscrito no quadro para 2040 e aí já será muito tarde para esta região.
É óbvio que o PNI é o programa que vai ser negociado em Bruxelas para financiamento europeu. Não estando inscrito não tem financiamento de certeza. Se o senhor deputado diz que estar inscrito ou não é a mesma coisa então ele que inscreva a Linha do Douro e não inscreva outras, assim pelo menos a nossa fica inscrita, só por uma questão de princípio.
A ausência do Secretário de Estado já é normal, promovem o debate com as pessoas e depois não aparecem.
Gustavo Duarte – Presidente da CM de Foz Côa
De uma forma muito sintética a posição de Foz Côa é que a Linha do Douro tem que estar na ordem do dia das discussões.
Está provado, e comprovado por diversos estudos, que em termos económicos e turísticos esta linha é uma mais valia para a nossa região.
Eu costumo dizer que depois da reabilitação da linha até Salamanca haverá um antes e um depois da linha, porque acho que isto vai mudar completamente.
Este é um projeto que, do ponto de vista estratégico, é o mais importante para a região. Podemos tirar benefícios enormes deste investimento.
Falando concretamente de Foz Côa, basta lembrar-nos que temos o Museu do Côa e a existência da linha, só por si, poderia fazer duplicar os visitantes, quer do lado português, quer do lado espanhol.
Depois há a questão do minério de Moncorvo e o xisto de Foz Cõa, ainda por cima quando estamos à porta da entrada de uma nova taxa para os transportes emissores de CO2 que irá aumentar o preço do transporte, também aqui a ferrovia pode ter um papel fundamental.
Luis Almeida – Presidente da Associação Vale d’Ouro
A ideia deste debate é colocar a discussão sobre a Linha do Douro na agenda política nacional para que se analise seriamente se este é um investimento que deve estar no PNI ou não.
O Governo lançou esse repto à sociedade agora durante o verão e nós, como associação que está atenta ao que se passa na nossa região, quisemos participar nesse debate dando voz às pessoas e às entidades envolvidas.
Infelizmente parece-me que, mais uma vez falamos muito, e a questão política sobrepôs-se à técnica, tínhamos aqui um painel constituído por alguns técnicos com bastantes argumentos e estudos para mostrar que o Vale do Douro tem vantagens, não só para a região mas para o país. Ainda assim acho que se produziram aqui ideias interessantes.
Patrique Alves – Presidente da Comissão Política Distrital do CDS-PP
Eu julgo que a importância desta linha não é de âmbito regional mas sim de âmbito nacional e até europeu.
Esta linha permitirá uma ligação rápida a Espanha com ganhos em termos de tempo. É uma ligação economicamente viável e permitirá a ligação do porto de Leixões e ao resto da Europa, permitirá o interface no transporte de passageiros e servirá também o aeroporto Francisco Sá Carneiro.
Tem uma importância estratégica para o país e obviamente para o Douro e toda a região norte.
Não vemos motivo algum, a não ser a falta de visão e de estratégia política, que de alguma forma impeça este Governo de inserir esta obra no PNI, é uma obra que no nosso entender é absolutamente fundamental.
Vânia Dias da Silva – Deputada CDS-PP
A questão é que a Linha do Douro pode ser dedicada a todo o norte de Portugal, é uma linha que interessa a todo o norte. Esta linha tem uma dimensão que ultrapassa o próprio Douro.
Depois há a questão económica, que é essencial, em especial com o movimento turístico existente e o transporte de mercadorias que é absolutamente vital que se faça pela ferrovia até porque, em 2020 vai começar a ser aplicada a ecotaxa ao transporte rodoviário o que irá pesar no orçamento das empresas para o transporte das suas mercadorias.
Faz sentido que este investimento seja feito mas hoje saímos daqui com a sensação que não será assim e que infelizmente a Linha do Douro não é uma aposta.
Não é possível investir em quatro anos o que se desinvestiu em quatro décadas, temos a perfeita noção disso, mas é preciso planear e programar de modo a que agora a ferrovia seja uma realidade.
A verdade é que vamos no quarto pacote ferroviário, que vai haver a liberalização do setor ao nível da União Europeia e Portugal não está minimamente preparado para isso. Portanto, ou nós aproveitamos o comboio do PT 20-30 ou então não sei quando vamos investir na ferrovia.
José Manuel Gonçalves – Presidente da CM de Peso da Régua
Mais do que a importância para a Régua e para a região do Douro é a sua importância para o país. Ela pode servir no futuro aquela que será a verdadeira ligação do porto de Leixões a Salamanca e daí ao resto da Europa.
Se esta linha for uma realidade traz valor para toda a região e para o país, por isso não podemos ficar de braços cruzados, temos que lutar, temos que insistir. Não estamos aqui numa perspetiva de saudosismo, de olhar para o passado, estamos aqui com factos concretos do ponto de vista técnico, económico, coesão territorial e social que demonstram que esta linha é viável e que deve ser prioritária.
Eu acho que nós já perdemos o comboio mas ainda podemos correr e entrar nele, nós região e o país, temos todos muito a ganhar com isso, é nesta lógica que nós nos vamos envolver. No meu programa eleitoral este era um dos eixos estratégicos para aquilo que é a afirmação de Peso da Régua.
Quando temos esta realidade, quando a UE identifica esta linha como prioritária, quando existem estudos técnicos e económicos que atestam a sua viabilidade, eu acho que ninguém vai entender que ela fique de fora dos investimentos.
Concordo, numa visão regional, que se continue a lutar pelo IC26 mas esta obra é de interesse nacional, por isso temos de continuar a lutar por ela.
Luís Ramos – Deputado do PSD por Vila Real
Como não me tenho cansado de repetir nos últimos meses, pela primeira vez temos estudos sérios e independentes que demonstram que: 1) a linha do Douro não tem qualquer restrição técnica para a circulação de composições pesadas de mercadorias; 2) a linha do Douro é o canal natural e mais curto da conexão entre o porto de Leixões, e o seu hinterland, e a rede ferroviária espanhola e europeia; 3) a linha do Douro tem um potencial de desenvolvimento turístico único, agrupando quatro sítios/bens classificados como Património da Humanidade pela UNESCO; 4) O investimento estimado para a sua reabertura e modernização é inferior a 500 milhões de €, o equivalente a 4 estações do metropolitano de Lisboa; 5) A Comissão Europeia, através de um estudo independente encomendado pela DGRPU, acaba de sinalizar a relevância desta ligação e selecioná-la como uma das 48 (em 365) mais promissoras vias ferréas transfronteiriças europeias; 6) o Fórum Parlamentar Ibérico, que reuniu em maio de 2017, em Vila Real, incluiu nas suas conclusões uma recomendação a ambos os governos no sentido de aprofundarem os estudos necessários à reabertura da linha do Douro; 7) o Programa Nacional de Infraestruturas 2030 ignora a eletrificação da linha do Douro até ao Pocinho e a ligação à rede espanhola, seja através da eventual reabertura da linha, seja através de um novo troço entre o Pocinho e Vila Franca das Naves; 8) o próximo ciclo de programação dos fundos europeus, 2020/2027, dá uma prioridade especial aos investimentos ferroviários e será. porventura, a última oportunidade séria de financiar a reabertura e modernização da linha do Douro.