Com um crescimento de 40% no volume de certificação de espumantes no ano passado, a região do Távora-Varosa é um territórios de excelência para a produção de espumantes, sendo muitas vezes comparada à região de Champagne em França.
Anualmente a região atingiu já um volume de cerca de 3 milhões de garrafas, que resultam numa faturação que ronda os 20 milhões de euros.
À frente da Comissão Vitivinícola Regional (CVR) do Távora-Varosa desde março de 2021, José Pereira é um homem ligado ao setor apostando na imagem e no marketing para potenciar ainda mais o território e os espumantes ali produzidos.
Para começar, pedíamos que nos descrevesse esta região do Távora-Varosa.
Esta região foi a primeira região demarcada de espumante em 1989. Para ser exato, nesta altura foram criadas duas regiões, a do Varosa e a Encostas da Nave. Eram duas regiões muito pequenas embora houvesse mais área de vinha do que há hoje, que foi arrancada em prol dos pomares que eram mais rentáveis.
Em 1999 foi então criada a região Távora-Varosa, que vai buscar o seu nome aos dois rios que a identificam, o Távora e o Varosa. Os limites da região são basicamente os mesmos das duas anteriores regiões. Ao mesmo tempo foi também criada a Identificação Geográfica de Terras de Cister, que pede o nome emprestado aos monges de Cister que andaram por aqui no século XII.
Esta região, e o espumante que aqui produzimos, são fruto do trabalho e conhecimento de uma pessoa, o Professor Orlando Lourenço, uma referência nacional no setor, que presidiu esta comissão por mais de três décadas.
Profissionalmente era docente do ensino primário, mas foi para Champagne adquirir conhecimentos sobre o processo de produção, e por isso, em Portugal, somos a única CVR que tem duas certificações, se lhes podemos chamar assim. Uma Apreciação Prévia, que fazemos a todo vinho pronto para “espumantizar”, e que passa pela Câmara de Provadores, mais tarde, quando está pronto a fazer o dégorgement (processo de retirada das borras do vinho), então regressa à Câmara de Provadores para a Certificação, que é dada com a atribuição de um selo.
Portanto, não podemos chamar de dupla certificação, o primeiro processo é apenas uma Apreciação Prévia do vinho que irá iniciar uma segunda fermentação em garrafa para se tornar espumante. Só então é que é feita a prova de certificação que garante o certificado de espumante Távora-Varosa.
Todo o espumante que aqui é produzido é certificado com Denominação de Origem, sem exceção, não temos espumantes IG Terras de Cister, apenas vinhos que representam 5 ou 7% da produção.
Suceder ao Professor Orlando Lourenço é uma responsabilidade?
É uma responsabilidade muito grande, e um desafio.
Tratando-se de uma referência nacional, compete-me a mim honrar todo o legado que ele deixou nesta CVR, primando, desde logo, pela qualidade.
Felizmente a região tem crescido em termos de volume de certificação, no ano passado crescemos 40%, o que é algo único e deve-se, sobretudo, ao trabalho dos agentes económicos.
E o espumante do Távora-Varosa, como se apresenta?
Temos que partir de um princípio, o espumante é vinho. (risos) Algumas pessoas esquecem este princípio, um bom espumante parte de um bom vinho.
O fabrico do espumante inicialmente é vinho, é o processo normal de fermentação. Posteriormente há uma segunda fermentação já em garrafa, segundo o método champanhês, o mais clássico.
O estágio dos nossos espumantes tem sempre a duração mínima de 9 meses, mas habitualmente é bem maior do que isso, e é sempre feito em caves com humidade acima de 90% e uma temperatura natural que ronda os 12, 13 graus.
É uma região em que a altitude se situa entre os 550 e os 800 metros, e que faz fronteira com as regiões do Douro e do Dão. O professor Júlio Pedrosa, a esse propósito dizia numa entrevista que a região “tem o solo das beiras e o clima do Douro”, não é bem assim, temos aqui grande amplitudes térmicas, mas é uma imagem interessante.
Essa é a altitude perfeita para a produção de um bom espumante?
A par dos solos e do clima, o terroir, no fundo. Na região temos solos pobres, graníticos, fracos de matéria orgânica, com acidez, características que se notam nos nossos espumantes com um carácter mineral e acidez.
Os invernos, que já não são o que eram, são rigorosos, e verões quentes com grandes amplitudes térmicas, entre o dia e a noite que variam muitas vezes entre os 15 e os 20 graus.
Este conjunto, a par das castas que usamos, dá-nos estes espumantes de grande qualidade, levando mesmo alguns a fazerem a comparação com a região francesa de Champagne, pelas condições únicas que tem no país.
Falando agora um pouco mais do seu percurso. Tem uma vida ligada ao setor agrícola e os vinhos do Douro. Que desafios é que lhe coloca esta nova etapa profissional?
Iniciei a minha carreira em 1981 e um dos trabalhos que fiz logo nessa fase inicial foi a preparação para a criação das tais duas regiões aqui. Foi um período em que se começou a falar das Indicações de Proveniência Regulamentar (IPR’s), com um Decreto-Lei de 1986.
Como o Centro de Estudos estava ligado à Direção Geral de Agricultura de Trás-os-Montes, tinha a gestão vitícola em Trás-os-Montes o que fazia nossa obrigação ajudar os promotores a demarcar as regiões.
Portanto, o meu primeiro trabalho foi ajudar a demarcar e regular esta região do Távora-Varosa.
Fizemos um extenso trabalho de identificação das castas porque havia um problema de sinonímia, e até de homonímia. Muitas castas às quais as pessoas atribuem um nome regional que não corresponde ao oficial, ou chamando a castas diferentes o mesmo nome. Esse foi o primeiro trabalho, feito em conjunto com os promotores.
No fundo, este é um regresso às origens. (risos) É uma região que me diz muito, em 1996 acumulei o serviço da Zona Agrária que envolvia estes concelhos, durante três anos.
No fundo são 48 anos ligado ao setor vitícola, um período que está a terminar em termos profissionais, mas a iniciar uma nova etapa.
É um desafio novo, uma coisa é trabalhar as questões técnicas, em termos da vinha, e outra é trabalhar as questões da certificação e da promoção.
O que me levou a aceitar este desafio foi também a ligação afetiva que tenho com esta região, como já falei e por ser natural de Lamego.
É um desafio aliciante porque falamos de uma região que é pouco conhecida, mesmo tendo produtos reconhecidos como é o caso do espumante. Até por essa razão a nossa primeira medida foi melhorar a imagem.
Depois foi importante criar também uma marca coletiva, Vinhos e Espumantes do Távora-Varosa, é muito importante. Para mim seria só espumantes, mas o mercado também pede outro tipo de vinhos.
Esse também é o segredo de quem está à frente de uma organização como estas, antecipar aquilo que o mercado quer, certo?
Sim, é um pouco disso. Mas há agentes económicos que produzem vinhos, até porque é por aí que se começa e os espumantes precisam de um maior investimento porque exigem um estágio longo em cave.
No seguimento deste trabalho criamos também a Rota dos Vinhos e Espumantes do Távora-Varosa, tem que haver uma imagem só, a palavra já não é fácil mas temos que afirmar a região.
Sendo esta uma região pequena, foi também importante para nós reforçar a cooperação institucional. Trabalhar com as escolas que estão aqui próximas, a ESTGL e a EHTD-L, aliás, foram os alunos destas escolas que entraram no nosso primeiro vídeo promocional. São alunos provenientes um pouco de todo o país e são jovens, aspetos importantes para nós.
Reforçamos também a cooperação com a CIM Douro porque os municípios promovem eventos e isso é importante para nós, são estes pequenos eventos que fazem e divulgam o território.
Temos como política não participar nas grandes feiras de vinhos. Se os agentes económicos assim quisessem nós estaríamos, mas neste momento não faz sentido para nós, as nossas marcas de grande dimensão (Murganheira e Terras do Demo) por vezes participam, mas como região não temos esse hábito. Optamos por eventos onde estamos sozinhos, somos pequenos, é uma forma de conseguirmos ter algum eco a nível da comunicação social.
Assim como também não temos participado em eventos a nível internacional, neste momento ainda não definimos os mercados, tem que ser um passo dado com alguma calma. Estamos já presentes em alguns mercados mas em quantidades muito pequenas, mesmo os nossos agentes económicos só têm resposta para o mercado nacional. Neste momento todas as regiões produzem espumante por isso pode acontecer de ficar saturado e aí temos de apostar fora de portas.
Já referiu que no ano passado a região registou um aumento de 40% de espumante certificado, há espaço para continuar a crescer?
Sim, temos espaço para crescer mais. Temos uma produção média de 55 mil hectolitros, todo este vinho base é potencial espumante. Em 2021, essa produção foi de 60 mil hectolitros, até ao momento certificamos 25 mil, cerca de metade, por isso o potencial de crescimento é bastante elevado.
Isto tudo deve-se aos agentes económicos que têm vindo a aumentar cada vez mais a sua produção, o que obriga também a maiores investimentos ao nível do armazenamento.
A área de vinha plantada também tem vindo a crescer?
Sim, tem havido um crescimento significativo. Em 1986 tínhamos 3600 hectares de vinha, uma área que decresceu até cerca de 1700 hectares e nos últimos anos já tem vindo a crescer, atualmente temos 2215 hectares.
Com o aumento de custos dos pomares, a falta de mão de obra, e a quebra do rendimento nesta produção, alguns têm vindo a ser substituídos por vinhas, o inverso do que aconteceu antes.
Estas características ajudam a que esta seja uma região unida?
Sim, é uma região onde há um forte trabalho de cooperação. Temos 17 agentes certificados e apenas 6 ou 7 locais de vinificação, ou seja, alguns locais vinificam para dois ou três produtores, este é claramente um sinal de cooperação entre eles.
Aliás, todos os agentes económicos aproveitaram todo o conhecimento e reconhecimento que havia do espumante, fruto de uma empresa, a Murganheira, e de um homem, o Professor Orlando, mesmo a cooperativa começa mais tarde.
Muitas vezes as coisas não funcionam porque não há liderança, aqui isso não aconteceu.
A proximidade geográfica com o Douro, é um fator mais positivo ou negativo para a região do Távora-Varosa?
É uma mais valia, o Douro é sempre uma vantagem, até porque não há um grande histórico de produção de espumantes na região, apesar de já os ter de grande qualidade.
Muita gente que vem ao Douro procura visitar caves de espumante, o que é uma vantagem para nós. Não será por acaso que foi criada, e nós estamos incluídos, a Rota do Enoturismo do Porto e Norte.
No Douro há cada vez mais a queixa de falta de gente, tanto a residir como para trabalhar, é um problema que também afeta esta região?
Sim, também sofremos o mesmo problema, e não é nada fácil de resolver. Cada vez os nossos territórios são de gente mais envelhecida e é difícil mudar isso de um dia para o outro.
Temos que ter bons produtos endógenos e valorizá-los de forma a torna-los num negócio rentável.
Como CVR, o nosso contributo atual é a certificação que estamos a fazer neste momento, de acordo com o Plano Nacional da Sustentabilidade, que no fundo são um conjunto de regras que resultam na obtenção de um selo para que o consumidor saiba que utilizamos as boas práticas agrícolas e ambientais, mas isto só por si não chega, temos que valorizar os nossos produtos, e isso só acontece se trabalharmos em conjunto.
Um dos fatores de atração de mão de obra são os salários, a região paga salários acima ou abaixo da média?
Estas empresas pagam um bocadinho acima da média. São empresas que tiveram sempre uma grande dinâmica empresarial, esta é a nossa realidade. A gestão sempre foi muito especializada com quadros especializados.
Temos a sorte de estar numa região em que o preço médio do espumante é muito acima das regiões produtores, isso para nós é um orgulho e permite libertar mais valias para poder pagar mais. O caminho tem que ser esse.
A própria cooperativa tem sabido no curto prazo aumentar um pouco os preços para fazer face ao aumento de custos. Numa região onde é o principal agente económico isso é fundamental.
Temos que ter engenho e arte para que o preço não baixe e isso não é um desafio muito fácil porque o mercado está a ser inundado de espumante, todas as regiões estão a produzir.
Precisávamos encontrar uma palavra que identificasse o nosso espumante como acontece com o Champanhe ou a Cava em Espanha. Será uma forma de nos diferenciarmos e garantir uma qualidade excecional com espumantes feitos através do método tradicional.
As pessoas estão dispostas a pagar um preço mais alto pelo espumante se tiver grande qualidade e para isso acontecer temos que nos diferenciar.
Têm levado a cabo algumas ações de promoção centradas na ideia que o espumante pode acompanhar toda a refeição, das entradas à sobremesa. Explique-nos melhor este conceito.
Sim, essa é uma ideia que tentamos implementar. Há vários tipos de espumantes, todos eles bruto, mas que em função das castas e do estágio, acabam por ser muito diferentes e passíveis de acompanhar qualquer momento da refeição.
É uma iniciativa que já levamos ao Time Out em Lisboa, ao Porto e a Lamego, com ajuda das Escolas de Hotelaria e Turismo, e em breve vamos regressar com esta iniciativa ao Porto, ao Mercado do Bolhão.
Para terminar, a região tem reivindicado a baixa da taxa do IVA para os espumantes. Que argumentos utilizam para justificar este pedido?
Apesar de hoje em dia a produção de espumante estar disseminada por todas as regiões vinícolas é nas regiões do Távora-Varosa e Bairrada que a sua produção é mais importante, por isso entendemos que manter uma taxa diferenciada para este segmento de vinho corresponde a uma discriminação negativa, inaceitável e injustificada, para um elevado número de produtores destas regiões.
Apesar da dinâmica que temos no mercado, o espumante tem ainda uma parcela diminuta no consumo face aos restantes vinhos e acreditamos que a taxa do IVA pode aqui ter alguma influência pois mexe diretamente com o preço final do produto.
O que solicitamos é que o espumante seja incluído na Lista II do IVA, alterando a designação de “vinhos comuns” para “vinhos comuns e espumantes”, reduzindo assim a taxa dos 23 para os 13%. Isto iria significar, certamente, um acréscimo no consumo deste tipo de vinho, com um consequente aumento do montante da receita fiscal.