Natural de Angola e formada em economia, Ana Abrunhosa é Ministra da Coesão Territorial, pasta criada por António Costa em 2019. Se na literatura tem dificuldade em escolher apenas um livro que a identifique, no grande ecrã escolhe Flores de Aço, de Herbert Ross, como filme da sua vida, e na música a Canção do Mar, de Dulce Pontes, tem preenchido os seus dias.
A família é um pilar importante com que tem que falar todos os dias e que define onde passa férias. À mesa não resiste a um bom arroz de cabidela.
Uma das governantes que mais tempo passa na região do Douro deu uma entrevista exclusiva ao VivaDouro, que teve lugar no Espaço Miguel Torga, em Sabrosa.
As funções que desempenha obrigam-na a trabalhar mais do que as 8 horas diárias. O que se perde com essa ausência?
Em primeiro lugar ganha-se. Ganha-se muito quando se trabalha com o sentido de missão pública e sentimos que podemos fazer a diferença, nos territórios e nas pessoas, por vezes com coisas pequenas.
Perdemos, em horas de sono obviamente. E em momentos de família que deixam de ser em quantidade e passam a ser de qualidade.
Compensa-se pela qualidade?
Sim, sem dúvida.
Numa fase madura da vida a experiência e a sabedoria ensinam-nos algo que, quando somos mais jovens é difícil perceber, que a qualidade é o mais importante nas relações, estando presentes em momentos decisivos, na vida dos filhos, do marido, dos pais e dos sogros, dos que nos são importantes.
No final de tudo isto o balanço é claramente positivo. A nível pessoal e profissional.
Há décadas que o interior se depara com o êxodo e o envelhecimento da sua população. Como Ministra da Coesão Territorial, o que falta fazer para alterar este paradigma?
Em primeiro lugar falta mudar a perceção que temos destes territórios. Há ainda uma perceção errada do que são e do que têm estes territórios.
Felizmente cada vez mais há uma mudança nessa perceção. Durante a pandemia muitas pessoas regressara a estes territórios, ou porque tinham raízes ou porque aqui tinham uma casa que não tinham na cidade. Creio que é uma questão de atitude e mentalidade.
Podemos e devemos estancar esta sangria, que verdadeiramente se registou fortemente no século passado, dando mais mobilidade a estes territórios, nomeadamente com a ferrovia. Retirar a ferrovia fez sair muita gente destes territórios.
Devemos também garantir melhor e mais habitação nestes territórios, e tornar mais atrativo o investimento.
Creio que isto não se consegue com uma medida avulsa, consegue-se com um conjunto de medidas integradas.
E que medidas são essas?
No que tem sido os poucos anos de vida deste ministério, procuramos ter medidas dedicadas só a estes territórios, como apoios com os fundos europeus para investimento empresarial, para as famílias se deslocalizarem e para as empresas contratarem, um largo conjunto de medidas.
O que se tem mostrado absolutamente determinante é a presença do Ensino Superior nestes territórios. Desde logo porque impede que os jovens tenham que sair para frequentar um curso superior, depois acaba por atrair mais jovens para a região.
A interioridade tem um custo muito grande para estas pessoas porque se vêm obrigadas a sair se não mantivermos cá os serviços.
O facto de termos a presença de instituições de ensino superior e isso ser fator impeditivo de saída de muitos jovens, só por si já tem um enorme valor.
Depois também é fonte de atratividade, outros jovens podem vir para estas universidades, nomeadamente jovens de outros países. A internacionalização dos nossos politécnicos, como acontece em Bragança, por exemplo, traz muitos estrangeiros para o território.
Haver pessoas qualificadas ajuda também a criar uma envolvente favorável ao investimento. O que temos vindo a verificar é que, nos territórios do interior onde se começa a revelar dinâmica empresarial, ao lado está uma instituição de ensino superior, é em Vila Real, em Bragança, no Fundão, em Ponte de Sor…
A presença de instituições de ensino superior, que formem pessoas, mas que também saiam das suas paredes, dos seus edifícios, e cada vez mais de braço dado com as empresas, a economia social e os autarcas, e ponham o seu conhecimento ao serviço da economia, é absolutamente determinante.
Olhemos para o setor do vinho e do agroalimentar, que se tem vindo a transformar, incorporando mais conhecimento e tecnologias. Estas mudanças trazem para o setor pessoas mais qualificadas que vão por seu lado ajudar a que os seus produtos e serviços sejam mais competitivos, rendendo para si uma parte maior do valor, que é essencial para que as atividades se tornem sustentáveis.
No interior, considerando os ingredientes que referi, é nossa intenção continuar a ter medidas específicas para estes territórios. Quer seja na promoção ou no investimento empresarial, para infraestruturas públicas que consideramos estruturantes para estes territórios, no apoio às instituições de ensino superior ou à contratação de pessoas qualificadas, apoiando a mobilidade de pessoas e famílias para estes territórios.
O ideal, e que temos procurado fazer, é conjugar estas medidas no tempo para que se complementem e reforcem. Já vão surgindo alguns bons exemplos mas os verdadeiros efeitos demoram muito tempo até surgirem verdadeiramente. Isso traz-nos uma responsabilidade acrescida, devemos ser coerentes, mantendo as medidas que sentimos que têm resultados positivos.
Houve medidas que lançamos que tiveram uma procura grande, nomeadamente as de apoio à contratação de pessoas qualificadas e ao investimento empresarial de menor dimensão, assim como ao apoio às universidades para projetos conjuntos com empresas, foram medidas com muita procura. As dotações que colocávamos a concurso tiveram sempre que ser reforçadas.
Depois tem que haver a capacidade de perceber o que não resultou, por exemplo, a medida para trazer trabalhadores da administração pública para territórios do interior. Não funcionou, tem que ser mudada.
Há essa disposição para admitir que é necessário reavaliar o caminho?
Estamos a reavaliar e já percebemos o que é que não correu tão bem. Não temos que necessariamente ter que mudar verdadeiramente o local de trabalho, este pode ser feito em teletrabalho a partir destes territórios mantendo a ligação ao serviço de origem.
Grande parte dos apoios que se dão aos nómadas digitais, com tudo o que provoca já nas regiões densamente povoadas, deviam ser sobretudo para territórios do interior. Obviamente que é muito importante termos esses jovens empreendedores que criam riqueza e valor, mas parece-me que deveria haver uma majoração, significativa, que pese na decisão para os territórios do interior.
Há outro fator que deve ser valorizado quando falamos destes territórios do interior que é a cooperação com Espanha. Pensemos na linha do Douro, como exemplo, pensar nela sem a componente de Espanha torna o projeto mais pobre, o que o tornaria mais rico seria a continuação para território espanhol.
Temos que olhar para estes territórios como o coração da europa. O valor que temos e o potencial destes territórios é muito maior.
Já se referiu à Linha do Douro durante esta entrevista por duas vezes, depois da apresentação do estudo da CCDR-N em Freixo de Espada à Cinta ficou a promessa de avançar com o projeto. A Ministra Ana Abrunhosa acredita que já não há forma de parar este projeto?
Há um consenso político à volta do projeto, e sobretudo na região norte há um grande espírito de solidariedade com este projeto. A própria Comunidade Intermunicipal teve visão ao nos sinalizar como sendo o projeto mais importante para a região, ajudando-nos a fazer a escolha,
O compromisso neste momento é de se lançar o concurso do projeto durante o primeiro trimestre de 2023, o valor ainda é grande, está estimado em 3,5 milhões, mas é fundamental para perceber que caminho vamos fazer.
Gostávamos de ter uma linha eletrificada e dar ao projeto uma dimensão de turismo mas também permitir o transporte de mercadorias porque temos as minas de Moncorvo, por exemplo. Não conseguimos obrigar Espanha para já, a tomar uma decisão de continuidade mas não vamos desistir. A partir o momento que começarmos a construir a linha poderá haver um entusiamo diferente do outro lado.
Temos um exemplo de uma ligação ferroviária que nos interessava muito, Faro-Huelva, porque ligaria o resto da europa ao algarve por comboio, o que em termos de turismo era uma mais valia. Nas ultimas cimeiras colocamos o assunto em cima da mesa e finalmente chegamos a acordo para iniciar os estudos.
Respondendo à sua pergunta, acredito sempre que o caminho se faz dando passos, ele só existe quando caminhamos. Há uma coisa que é certa, nunca há obra sem projeto. Temos a certeza que tudo demora mais do que gostaríamos, por isso temos que começar cedo. A decisão política de se avançar com a ligação Pocinho – Barca d’Alva é, por si, um marco.
Os estudos que foram feitos mostraram que havia viabilidade neste projeto, o que levou o Ministro das Infraestruturas a lançar o concurso para o projeto no primeiro trimestre de 2023, até lá há ainda muito trabalho a ser feito.
A Linha do Douro é um dos três projetos estruturantes para a CIM Douro, os ouros dois são o IC 36 e o Douro Inland Waterway, a autoestrada do rio. São dois projetos que espera ver avançar ainda durante o seu mandato?
No que diz respeito ao IC, não quero emitir nenhuma opinião porque não abordei ainda o Ministro das Infraestruturas sobre este tema.
O rio é a grande riqueza deste território. O valor que podemos tirar através da valorização de atividades económicas em que o rio seja um ativo importante é uma excelente estratégia.
Esta CIM deve valorizar o seu nome, é o seu património, o Douro. Um projeto em rede, tendo o Douro como ativo é algo que revela mais uma vez que este território sabe o caminho que quer fazer e para isso conta com o nosso apoio.
O Vinho do Porto é um dos produtos mais exportados do país com um peso significativo no PIB. O que falta para que esta valorização também chegue ao bolso do pequeno viticultor? Falta a Casa do Douro para ser o garante deste equilíbrio?
No Douro, sobretudo em determinada parte da região, aconteceu que as grandes marcas tornaram-se proprietárias dos terrenos, parte das quais não são nacionais.
Na minha opinião, o que é fundamental no Douro é que o valor que aqui é criado fique nos pequenos produtores. Temos que perceber como é que eles conseguem criar produtos de grande valor, para que depois seja apropriado pelas grandes empresas. Ou seja, vendem as uvas por um determinado valor, para um produto final que tem um valor maior mas que não chega ao início da cadeia.
Os pequenos produtores têm que passar a ter maior controlo no preço final do produto e aí acho que a Casa do Douro pode desempenhar um papel fundamental, mas a própria CIM pode também ela ser um fator de agregação e capacitação. Um pequeno produtor não tem capacidade de reivindicação, mas se se associarem ganham escala e com ela outra capacidade negocial.
A ProDouro já tornou público que vai propor o estabelecimento de um preço mínimo para o quilo de uva, Será uma solução?
Não tenho a tutela dessa área, contudo não me parece que um aumento de regulamentação no setor por parte do Governo seja adequado.
Já é um setor muito regulado, o mais regulado. O setor ganharia muito mais se esses pequenos produtores tivessem uma voz maior no processo, para que não continuem a receber uma pequena parte do volume deste negócio.
Isto resulta da organização do mercado e das grandes marcas que vão comprando o produto aos pequenos, criando um produto final com grande valor acrescentado.
Não sendo a minha área, como governante, gostava de ver mudar esta realidade dos pequenos produtores que contribuem tanto para um produto de tão elevado valor.
Elogia diversas vezes o trabalho da CIM Douro e da forma como ela trabalha. Brincando um pouco com o nome do ministério que lidera. Esta CIM é um espelho de coesão?
É o espelho do trabalho em rede, de se tornarem claras as prioridades e de nelas se respeitarem as diferenças do território. É uma CIM com 19 municípios, diferentes uns dos outros, mas que respeitam as suas diferenças quando desenham as suas estratégias, há lugar para todos.
Há uma perceção que a região do Douro tem ainda muito potencial por explorar e que o país todo perde se ele não for explorado.
É este também o meu trabalho, criar pontes, entendimentos, valorizando um potencial por explorar e recusando que haja territórios condenados à partida.
É uma questão de investimento e de aposta do Governo nestes territórios mas temos que perceber que este é um processo que demora a mostrar resultados, foram muitos anos a fazer política errada para estes territórios, fazendo igual para todo o país.
A regionalização poderá ajudar nesse aspeto, a diferenciar mais os territórios?
Sim, se for uma regionalização onde as regiões desenvolvidas estão com as menos desenvolvidas. Separá-las será criar guetos.
As teorias de desenvolvimento têm demonstrado que separar regiões mais e menos desenvolvidas não é solução, chegando mesmo a aumentar a diferença.
Temos que ter a certeza que temos verbas para a coesão e que privilegiam mesmo esses territórios.
Pouco antes desta entrevista esteve com o Presidente da República que lhe fez esse aviso, digamos assim. A Ministra da Coesão irá fazer pressão dentro do Governo para que efetivamente essas verbas cheguem aos territórios do interior?
A preocupação do Presidente é a nossa preocupação, mas é preciso perceber que na gestão dos fundos há vários níveis. Dos municípios, das CIMS, das CCDR e do Governo, há uma coresponsabilização.
O Presidente falava do PRR e não é o Ministério da Coesão que o gere, mas não é por isso que a Ministra não está preocupada, sobretudo que ele venha mais para o território do interior, para as autarquias e que envolva mais as CCDR’s.
O desenho do PRR foi, por motivos óbvios porque havia pouco tempo para o desenhar, muito centralizado, mas a sua gestão tem que ser cada vez mais descentralizada.
Estamos a trabalhar, mas fazer obra demora tempo e o PRR tem obras e projetos mito importantes. Creio que em breve os resultados começarão a ser visíveis.
O PRR foi aprovado em outubro de 2021, tem um ano, muito trabalho já foi feito. Creio que todos estamos ansiosos por começar a ver resultados, mas não posso deixar de dizer que a preocupação do Presidente é também a nossa.
Foi a ministra que ouviu o recado do Presidente porque era quem ali estava e farei chegar o recado a quem de direito, solidarizando-me com essa preocupação.