A situação de seca meteorológica que se verifica em Portugal desde novembro de 2021, agravou-se em janeiro e, segundo os primeiros dados deste mês, deverá crescer ainda mais. No primeiro mês deste ano, todo o território nacional já se encontrava em situação de seca: 1% em seca fraca, 54% em seca moderada, 34% em seca severa e 11% em seca extrema.
Desde o início do corrente ano hidrológico (outubro de 2021) que se registam no território nacional valores de precipitação inferiores ao valor normal (1971-2000), sendo de salientar os meses de novembro e janeiro, muito secos. Em fevereiro a tendência tem sido a mesma, de acordo com os dados atualizados do IPMA, choveu apenas 7% do que seria normal em média em Portugal Continental e não se prevê precipitação significativa no que resta de fevereiro (e também em março). A 15 de fevereiro 91 % do território estava nas classes de seca severa e extrema.
O Índice de Percentagem de Água no Solo (SMI) apresenta uma diminuição significativa em relação ao final de dezembro em todo o território, salientando-se os valores inferiores a 20% na região Nordeste e na região Sul, sendo que em muito locais dessas regiões já se atingiu o ponto de emurchecimento permanente. O ponto de emurchimento permanente (θce) traduz-se no valor máximo do teor volúmico de humidade de um solo já não utilizável pelas plantas (quantidade de água existente na zona das raízes das plantas a partir da qual a planta não consegue recuperar a turgidez).

DRAPN atenta à situação
A garantia que a situação está a ser acompanha pelas entidades públicas responsáveis pelo setor da agricultura é deixada à nossa reportagem por Carla Alves, Diretora Regional da Agricultura e Pescas do Norte (DRAPN), que afirma que estão a “monitorizar o estado das reservas de água”, acrescentando ainda estar “em contacto com as Associações de Produtores da Região para obter informações sobre o estado de evolução das culturas”.
“É a conjugação destes dois fatores e se a evolução da situação se mantiver, que nos irá permitir efetuar uma análise prospetiva de qual será o impacto da atual situação climatológica nas principais culturas da região Norte”, conclui a responsável.
Carla Alves explica ainda que está a ser monitorizada a quantidade de água, não só nas grandes reservas de água (rios, barragens, etc), “mas o estado das nascentes, minas de água e poços”.
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Com as culturas típicas da região neste momento “numa fase de dormência vegetativa”, a diretora regional afirma que a situação por agora “não é preocupante, no entanto toda a situação é alterada se a falta de chuva continuar”.
Neste momento as principais preocupações são com os criadores de gado que “já demonstram alguma apreensão sobre qual será a evolução dos pastos e pastagens nos próximos tempos, uma vez que a continuação do tempo seco vai impedir o normal desenvolvimento das mesmas, originando a baixa produção de forragens, obrigando os produtores a recorrer à compra de alimentos grosseiros, tais como feno e palha”, uma situação que, explica Carla Alves, “pode onerar bastante os custos de produção e em algumas situações, tornar a mesma economicamente inviável”.
Armazenamento e rega podem ser solução
São vários os especialistas que defendem o recurso ao armazenamento das águas pluviais para aproveitamento na agricultura, fazendo assim uma gestão mais sustentável dos recursos hídricos ao longo de todo o ciclo.
Cristina Matos, Professora da Escola de Ciências e Tecnologias da UTAD, defende uma urgente alteração dos comportamentos, desde logo com políticas mais permissivas a este respeito, “permitir a utilização, por exemplo, das águas cinzentas (águas provenientes de lavatórios, duches e lavagens de roupa), em fins menos nobres”.
A docente universitária defende ainda um melhor aproveitamento do ciclo hidrológico,” construindo sistemas de aproveitamento de água pluvial, que nos permitam usar com maior rapidez a água, sem que tenha que ir a uma estação de tratamento e depois regressar às nossas torneiras”.
Cristina Matos dá o exemplo de algumas quintas da região, “em especial de grandes dimensões, que já têm grandes tanques de armazenamento”. O problema, explica, é que esses tanques são alimentados por furos no solo, “se os lençóis freáticos estão a zero, ou próximo disso, não se conseguem abastecer”.
“Isto tem que ser pensado numa lógica cíclica, quando chove, essa água tem que ser automaticamente aproveitada. Não falamos de sistemas complicados, quando se fala em acumulação de água vem logo à ideia as barragens, não é necessária uma barragem para acumular água. Podemos ter até soluções mais naturais como lagos e lagoas, coisas mais pequenas, podendo assim evitar soluções mais complicadas”, explica a professora.
A solução de armazenamento de águas pluviais para posterior utilização é também defendida por Rosa Amador, Diretora Geral da Associação para o Desenvolvimento da Viticultura Duriense (ADVID), acusando os governantes de “não darem a devida importância” a esta solução.
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“Em 2012 tivemos cá um cientista americano, muito conceituado nestas questões, que fez as projeções climáticas para 2020, 2050 e 80, em três cenários de emissão de gases estufa (disponíveis no site da ADVID, ver caixa em baixo), e o resultado desse trabalho é que haverá um aumento da temperatura.
Quanto à precipitação, essas projeções apontam para que as médias se mantenham mas com alterações na dispersão temporal, ou seja, choverá menos durante o ciclo vegetativo e depois haverá uma concentração de pluviosidade mais na parte de inverno, com situações pontuais e extremas, algo que este ano não se verifica, de todo.
É importante que estejamos preparados para armazenar água durante esses ciclos, para depois a utilizar quando necessário. Assim como as águas tratadas que saem das ETAR’s, será uma ferramenta muito importante no futuro”, afirma a dirigente.
Também no entender da DRAPN o regadio é uma solução, apesar de “não chegar a todo o território”, sendo importante por isso continuar a “desenvolver técnicas culturais que diminuam a necessidade de utilização deste recurso, otimizando as produções de sequeiro”.
No âmbito da Agenda para a Inovação, implementada pelo Ministério da Agricultura e nos vários avisos que foram até ao momento abertos no âmbito da “ Terra Futura”, financiada pelo PRR, temos notado uma preocupação, nos vários projetos de investigação que têm sido apesentados, com a utilização dos recursos hídricos disponíveis, com a poupança de água e com o estudo do modo como as várias culturas respondem à falta de água. Projetos em grande parte feitos em parceria com a DRAPN.
Acreditamos que a conjugação destes dois factos referidos, investimento em regadio e investimento em investigação e inovação, será a melhor forma de preparamos o futuro”.
Gestão do recurso não pode ser esquecida
De acordo com Cristina Matos, docente da UTAD, a solução não passa apenas pelo armazenamento e rega, tem que existir uma gestão eficaz da água, “Portugal não é parco em água, o nosso país vive em stress hídrico por falta de estratégia na utilização da água que temos”.
Desde logo, a gestão deveria começar na nascente, defende Cristina Matos, “os nossos três maiores rios nascem em Espanha”, o que nos faz depender muito do país vizinho que se gere pelas “cotas de partilha da água” atualmente em vigor mas que estão “desajustadas da situação extrema atual”, devendo ser revistas.
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Para completar, uma gestão eficaz dentro do território. “Fala-se muito agora das alterações climáticas mas são situações já vividas no passado, lembro-me em pequena de ouvir na televisão os agricultores a queixarem-se com a falta de água, em especial no sul do país. Portanto, há aqui alguma coisa que tem que mudar em termos de mentalidades e política para estarmos melhor preparados na resposta a situações como a que vivemos atualmente, e que serão cada vez mais frequentes”.
Cristina Matos assume-se como “defensora da eficiência hídrica e de tudo o que envolve esse conceito”, partindo “dos nossos comportamentos”. À nossa reportagem a docente conta que nas discussões sobre este tema tem por hábito colocar uma questão “simples mas que deixa toda a gente com um olhar muito admirado. Como é possível continuarmos a despejar o autoclismo com água potável? É isso que fazemos. Água que tem custos para ser tratada e que pode ser bebida”.
A docente não esconde alguma indignação por ver “mesmo nesta situação de seca que vivemos”, pessoas a ter comportamentos inconscientes como “lavar as ruas e os carros”.
Vindima ainda não preocupa
Com as vinhas numa fase de dormência vegetativa, os alarmes ainda se mantém no silêncio por toda a região, contudo as mãos já estão nos botões para os acionar.
Para Rosa Amador, da ADVID, “ainda é prematuro falar do que será a vindima 2022, não sabemos qual vai ser o comportamento da meteorologia a esta distância”.
Contudo, a Diretora Geral da associação explica que “o reflexo desta situação poderá ser uma produtividade mais reduzida”.
“O stress hídrico afeta a produtividade, evita a maturação das uvas, levando-as a ficar secas e verdes, daí a importância da água. Não é necessário uma rega, no verdadeiro sentido da palavra, até porque a videira não quer demasiada água, apenas quer a gestão do stress hídrico. A vinha gosta desse stress, precisa desse stress para potenciar a sua produção”, explica.
No entender da dirigente, esta pode também ser uma “fórmula para conseguir aumentar a nossa produção potenciando a qualidade”, de acordo com os números atuais, “no Douro produzimos cerca de 4000 quilos por hectare, quando a legislação diz que pode ir até aos 7500, ou seja, poderíamos quase duplicar a nossa produção, mantendo a qualidade”.
Em relação à produção deste ano, a docente da UTAD, Cristina Matos, defende que este poderá ser um “ano difícil”. “A preocupação neste momento não é imediata, porque as grandes culturas no Douro como a vinha e o olival, por exemplo, estão num período de dormência, de hibernação, contudo quando iniciarem o seu ciclo vegetativo, iremos certamente sentir os efeitos desta seca. Sem água a planta não irá prosperar, a videira tem mecanismos de defesa quanto à falta de água mas não tanta como está a acontecer”.
CIM Douro atenta à situação
Carlos Silva, autarca sernancelhense e Presidente da CIM Douro, questionado sobre esta situação pelo nosso jornal afirmou apenas que a Comunidade Intermunicipal “está atenta” ao desenvolvimento da mesma.
Medidas preventivas já estão no terreno
Numa reunião interministerial da Comissão Permanente de Prevenção, Monitorização e Acompanhamento dos Efeitos da Seca, que se realizou há cerca de duas semanas, foram definidas diversas medidas para o setor agrícola:
Quanto ao abeberamento animal e estado das culturas, foi decidido:
- Intensificar o acompanhamento da evolução do estado das culturas ao nível das Direções Regionais de Agricultura;
- Fazer o levantamento das necessidades de investimento em captação e transporte de água e aquisição de equipamentos para abeberamento de gado;
- Dar continuidade à avaliação da possibilidade de instalar pontos de água ou cisternas associadas a albufeiras de águas públicas;
Quanto às medidas administrativas dos regimes de apoio aos agricultores, ficou decidido:
- Fazer o levantamento das medidas de carácter administrativo nos regimes de apoio aos agricultores (medidas de superfície dos Pagamentos Diretos e do Desenvolvimento Rural) para mitigar o impacto da seca na atividade agrícola;
- Foi solicitado à Comissão Europeia a redução das taxas de controlo, a autorização para reforço dos adiantamentos das medidas de apoio às superfícies e a simplificação da atribuição dos adiantamentos;
- Continuidade da execução da medida de apoio à eletricidade verde;
- Abertura dia 7 de fevereiro, de um Aviso no âmbito da Medida 3.4.2 do Programa de Desenvolvimento Rural, no valor de 2,5 milhões de euros, para a aquisição e instalação de painéis fotovoltaicos nos aproveitamentos hidroagrícolas.
De acordo com Carla Alves, DRAPN, as medidas têm sido tomadas a nível central porque a situação de seca se regista em todo o território nacional. Segundo a mesma, o evoluir da situação irá ditar a aplicação de novas medidas e apoios financeiros.
“Como temos visto, infelizmente esta situação não se limita só á região Norte, mas sim a todo o país, pelo que as ajudas que forem decididas a nível central, também serão aplicadas aos nossos produtores.
Estão ainda a ser discutidas algumas medidas, e sempre tendo em consideração a possibilidade da situação se agravar, de criar linhas de crédito para melhorar a tesouraria das explorações agrícolas, apoios para a aumentar a capacidade de reservas das explorações agrícolas, nomeadamente apoiar a construção de charcas, aberturas de poços e furos e aligeirar alguns compromissos que os produtores possam ter quando se dedicam a produções em modo de produção biológico ou em produção integrada”.
Para Cristina Matos, docente da UTAD, as medidas são necessárias mas surgem como uma reação, quando deveríamos olhar mais para o lado da prevenção destas situações e da preparação para as mesmas.
“Temos o hábito de reagir às situações, e não agir para as prevenir. Isso não resolve o problema, apenas atenua as suas consequências. As medidas que foram tomadas relativamente à produção hidroelétrica, para garantir água para o consumo humano, servem para controlar a situação mas não podem ser mantidas indefinidamente.
Estas situações serão cada vez mais frequentes, portanto, temos que nos preparar melhor, pensando em soluções que permitam dar uma resposta mais efetiva a quem mais depende da água. O ministro veio afirmar que haverá sempre água para consumo humano, essa será sempre, e bem, a prioridade mas, ao tirarmos a água da agricultura estamos a tirar sustento a boa parte dos humanos e, por consequência, menos alimento disponível para todos.
Previsões não indicam mudança
Márcio Santos, criador da página Meteo Trás os Montes, em declarações à nossa reportagem afirma que, mesmo nas previsões de prazo alargado, não trazem indicação de qualquer chuva até ao final de fevereiro, situação que se poderá estender até março.
“Atendendo às atuais tendências a largo prazo, e previsões mensais, não se prevê precipitação significativa, pelo que o cenário mais provável é de agravamento da seca até ao final do que resta de mês
As previsões para março não são melhores, os 2 principais centros de previsão, o europeu ECMWF e o americano da NOAA indicam que março também será seco, em linha com os últimos meses.
Para que se entenda a magnitude do que estamos a falar, nos primeiros 15 dias deste mês, em Vila Real caíram apenas 5.8 litros por m2, pouco mais de 4% do que seria normal”.
O especialista em meteorologia lembra ainda a atualização dos dados do IPMA, até 15/02, que indica que já superamos a seca de 2005.
“Os dados a 15 de fevereiro que indicam que esta seca já superou a grande seca de 2005 quando comparada a superfície em seca severa e extrema no nosso país, ou seja, há décadas que não chegávamos a meados de fevereiro com este grau de seca meteorológica”.