Entrevista

“Eu sou alinhado com o meu povo, e é esse que eu tenho que defender, seja contra quem for”

carlos almeida

Paulo Silva, eleito para o primeiro mandato à frente da autarquia de Mesão Frio, em setembro de 2021, fala ao VivaDouro da longa vida de dedicação que leva ao serviço da causa pública, e das ambições que tem para o seu concelho.

Ser autarca implica uma dedicação ao cargo que vai muito além das habituais 8 horas de trabalho. O que se perde ao dedicar o dia a dia à causa pública?

Eu não acho estranho, estou ligado à política desde miúdo praticamente, o meu pai foi autarca, o meu irmão foi autarca e depois estive aqui também como autarca, portanto é uma atividade que a mim, pela sua intensidade, pela sua ocupação, não me surpreende, nem estranho sequer.

Agora, temos todos que perceber que isto não é um emprego, isto é uma missão para servir as pessoas. Nesse sentido, faço com gosto. O cansaço é mais mental que outra coisa, agora aqui há prejuízos, prejuízos de amigos e família, mas temos de conviver com isso.

No meu caso, a tarefa é mais fácil, porque eu não vejo isto no longo prazo, tenho um propósito limitado no tempo, por isso não é uma carga. Vejo isto realmente como uma missão, com tempos definidos.

Tomar decisões como autarca implica sempre agradar a uns e desagradar a outros. Do lado mais pessoal, consegue-se lidar com o facto de saber que a decisão irá desagradar alguém?

Vamos colocar um pouco de humor nisto… as nossas decisões agradam a toda a gente, aos que tiram proveito delas, agradam pela positiva, às oposições, agradam pela negativa, também é uma maneira deles terem o que criticar. Portanto, cada decisão que se tome, vai agradar sempre a toda a gente, uns mais outros menos, uns pela positiva outros pela negativa. O que é fundamental é focarmo-nos nos problemas que a nossa terra tem, que as nossas pessoas têm.

Eu sou daqueles que digo que grande parte da minha vida foi dedicada à causa pública, estive 25 anos nos bombeiros, servi nas forças armadas 5 anos, em missões humanitárias, poucas no meu caso, portanto tenho toda essa experiência. Se tomar a decisão errada, tenho a humildade de a corrigir ou de cancelar, anular ou alterar, não sou torrão, muitas vezes na minha vida recuei, porque reconheço ou porque me fazem reconhecer que não foi a melhor decisão.

Quando entendi candidatar-me, tentei reunir à minha volta, gente competente, gente sensível, essencialmente, porque a competência não é tudo, gente que pensasse um pouco como eu, que pensasse: o que é que eu posso fazer para melhorar a vida ao meu conterrâneo, ao meu vizinho.

É essa a minha postura, mais obra menos obra, o importante aqui é darmos boa qualidade de vida à nossa gente, e nós temos muito trabalho pela frente nessa matéria.

Mesão Frio é um concelho pequeno, pobre, cada vez mais pobre, e os governos teimam em tornar Mesão Frio cada vez mais pobre. Esta Lei do Financiamento Local é terrível para o interior, perdemos gente e cortam à verba, porque há menos gente, quando devia ser precisamente ao contrário.

Sejam 10 ou 100 habitantes, nós temos que lhes criar as melhores condições de vida. Costuma-se dizer que um doente ocupará sempre 5 ou 6 técnicos de saúde, 10 doentes ocuparão se calhar os mesmos, portanto a base é esta, não se pode olhar para o interior e, porque tem menos gente, dar menos apoio, não.

Esta é a minha preocupação neste mandato, que está a começar mal, sou confrontado com uma quebra de rendimento, por parte das transferências do Estado em cerca de 10%. Isto é matar o concelho. Vou ter reunião com os meus pares e com os deputados, vou forçar reuniões com os secretários de Estado, com o ministro, seja com quem for. Um concelho como Mesão Frio não pode ser prejudicado desta forma.

Eu entendo a lei, fruto das receitas fiscais que o país tem, agora um concelho como o nosso é uma gota no orçamento do país, aliás nem é uma gota, é uma partícula. Os Estados têm de ser sensíveis a isto, cortar 10% de Mesão Frio, que se traduz em 340 mil euros, não é a mesma coisa que cortar meio milhão ao Porto ou quatro ou cinco milhões que seja. Eles têm receitas que nós não temos, nós não temos indústria, não temos comércio, nós temos é, pelo contrário, que ajudar o tecido local, que é na sua maioria baseado na agricultura.

Quando a Câmara foi chamada a ajudar o Estado, porque ajudou, na pandemia, o resultado é, -“vou-te dar um corte nas transferências”, porquê? Nós paramos tudo, dedicamos tudo ao tratamento, ao acompanhamento das populações, demos comida, máscaras, demos tudo, meios humanos e materiais, tudo. Agora, vem o Estado, “porque recebi menos, pega lá menos”, não.

Não pode ser proporcional, Mesão Frio não pode estar na mesma balança que Lisboa, Porto, Coimbra, Chaves ou Vila Real que seja, não pode. Portanto, quando me diz que um autarca está ocupado 24h por dia é isto, nós podemos cumprir a nossa missão e chegar à noite e dedicarmos um bocadinho do nosso tempo à família, ao descanso, entre outras coisas mas não, a gente deita-se com o problema, acorda com o problema e não vemos ninguém capaz de o resolver. Sendo eu novo no cargo, é a minha exigência, quer gostem quer não gostem.

Eu não sou alinhado, os partidos servem para as ideologias e também como veículos para a gente chegar ao poder e, portanto, é aí que eu vou reclamar. Eu sou alinhado com o meu povo, e é esse que eu tenho que defender, seja contra quem for.

Nestes próximos 4 anos, quais são as grandes preocupações do presidente Paulo Silva, da Câmara Municipal de Mesão Frio?

A grande preocupação, como disse, é o bem-estar das pessoas e isso abrange tudo, desde a área social ao lazer, tudo e mais alguma coisa.

Há um problema que nós temos, fruto de anos anteriores, (não vou estar aqui a culpabilizar ninguém), temos um património completamente degradado. A piscina coberta, de água quente, é fundamental para os nossos idosos, para a sua saúde e terapias. É uma mais valia para a qualidade de vida dos nossos utentes, é um equipamento que já tem quase 20 anos, está completamente degradado e a Câmara não tem a mínima hipótese de o requalificar, isto é um exemplo.

Temos a residência de estudantes que é um monstro que está ali, é um edifício excelente, foi das primeiras residências de estudantes do país, ainda vem do tempo do meu pai (estamos a falar dos anos 80), e que está fechada, tudo a apodrecer. O edifício não é nosso e o Estado não tem sido honesto connosco, isto é transversal aos vários governos. Está acordado e escrito que, quando o Estado não utilizasse aquele edifício, revertia automaticamente para o Município, andamos aqui de Governo para Governo, de Ministro em Ministro, secretário em secretário e não passam aquilo para a nossa posse. É um edifício que está fechado, está a degradar-se. Estamos a falar de uma residência que terá capacidade para alojar 60 crianças ou adultos, com cantina, salas de formação, recreios, com tudo.

Portanto, temos esse foco. Também a nossa praia fluvial se está a degradar completamente, ninguém quer saber daquilo. Era uma zona de lazer onde a nossa população no verão, passava lá o tempo, completamente degradada. As nossas estradas estão completamente esburacadas, é isto, umas atrás das outras.

Relativamente à saúde, está em cima da mesa a transferência das competências na área da saúde, o que é que nos querem transferir? Os funcionários e nem dinheiro para pagar os salários nos dão, está um acordo em cima da mesa, andamos a tentar negociar com o Ministério da Saúde, fizemos as nossas contas e a transferência da verba do Estado, não chega para pagar os salários. Atrás disso ainda teremos as viaturas, manutenção do edifício, água, luz e a segurança, quer dizer, como? A viatura, a mais nova tem mais de 20  anos, é assim que tratam as autarquias? Não pode ser.

Um pilar de uma ponte em Lisboa, resolveria todos os problemas do concelho de Mesão Frio, todos.

Falta sensibilidade a quem governa para perceber isso?

Vou mandar um recado para o país, vou-me atrever, posso estar a ser injusto para algumas pessoas, mas para a maioria julgo que não. Há um certo interesse do turista nacional, para não ir mais longe, em olhar para o Douro como uma coisa engraçada, “vou visitar o jardim zoológico, entro num barco, rio acima e depois chego ali e tenho os macacos em cima das bananeiras”, é isto que ele pensa.

Vamos à questão fulcral do nosso concelho que é o vinho, o problema do Douro. O turista não tem a noção do valor que está dentro de uma garrafa de vinho. Ele bebe o vinho, sabe-lhe bem, mas não imagina o trabalho e o esforço que aquela garrafa representa para nós, isto para não falarmos já dos nossos antepassados que lavraram, que fizeram estes calços à mão, não havia máquinas.

Este paraíso teve um custo e tem um custo para quem cá vive, portanto, quando quiserem falar do interior venham cá, não é pegar numa carta, numa régua e num lápis e traçam ali coisas mirabolantes.

Dou-lhe outro exemplo, nós andamos há 40 anos para ter um acesso digno à autoestrada. Há 40 anos que andam a estudar, é projetos, mais projetos e mais projetos e agora está no 20-30, depois está no 40-50, depois está no 10-20 e ninguém faz nada, ninguém quer saber, no entanto, pega-se numa estrada secundária e gastam-se lá 1, 2, 3, 4 milhões aqui perto. Temos aqui o exemplo da 101, que é aquilo que estamos a falar, e o mais engraçado, é que ligo o meu GPS e o que é que eu vejo lá? IC26, gargalhada geral, que IC26? Estão a gozar connosco?

Na 101 há um ramal que liga aqui duas freguesias, e bem, eu não sou contra essas obras atenção, sou contra fazerem essas, mas não outras.  Nós temos uma via principal, salvo erro é a segunda estrada do Douro com mais movimento, que é a 101 (a ligação Amarante – Régua). A entrada no Douro é a 101, não se prega lá um prego e a meio da 101, para servir duas aldeias de Baião, vão se gastar 1.2 ou 1.6 milhões de euros, isto é um absurdo.

Portanto, eu acho muito bem que componham as estradas que precisam ser compostas, mas quer dizer, e para chegar a essa estrada? Vou por um caminho? É isto que se está a fazer. Os governantes não têm sensibilidade, eu lamento muito dizer isto, porque conheço pessoalmente muitos governantes. Quando estamos à mesa é agradável, gostam de nos ouvir, mas depois a viagem é longa daqui a Lisboa e esquecem-se quando lá chegam, ou perdem o caderno de notas.

 Aqui ninguém me cala com isto, prejudicar mais já não prejudicam, só se abrirem um buraco e nos enfiarem lá dentro, porque Mesão Frio, a porta do Douro, merece um tratamento mais digno, por parte de quem nos governa.

Corremos o risco de amanhã, nos fecharem o centro de saúde, nessa altura vamos atuar, as escolas a mesma coisa. O parque escolar precisa de uma reforma profunda, os computadores que  temos, os mais novos, têm 12 anos, os projetores para os miúdos estão todos danificados, tudo avariado, e Mesão Frio não tem dinheiro.

Nós temos um orçamento para este ano de pouco mais de 3 milhões de euros, não há milagres.

Chega para pagar os salários?

Vai chegando, 50% ou mais é para pagar salários, não tenho aqui o número preciso. Um dia vai chegar a um ponto que nós pagamos os salários e acabou, vão haver contas que vamos mandar para Lisboa, se não, não tenho dinheiro para transportar os miúdos da escola, porque também isso é à custa da Câmara.

Às empresas, aumentam o salário mínimo e há uma ajuda, aos municípios e aos bombeiros, acrescento aqui outra associação importante, não há ajuda, onde é que isto vai parar? O Governo esquece que a maior parte do transporte de doentes é feito por nós, gratuitamente. O carro da presidência já esteve ao serviço, para levar doentes ao hospital, em plena pandemia, tudo isso nós fizemos.

Um presidente da Câmara não mete ajudas de custo, não mete nada, até me arrepio, quer dizer, ir almoçar fora e trazer a conta à câmara eu até me arrepio, não consigo, isso não é justo, até porque o salário do presidente da Câmara é miserável.

Tantos anos de dedicação à causa pública, também lhe deu uma certa amargura de fazer, mas não conseguir obter resultados, porque há sempre uma força maior?

Sim. Nas entrevistas coloco este tom, para as pessoas perceberem que é sentido, porque é sentido.

Você vem aqui tomar um café comigo, com todo o gosto, contamos uma piada e estamos bem, quando falamos destes assuntos eu transfiguro-me, porque nos sentimos impotentes, não é justo tratarem as pessoas desta forma.

Um individuo em Mesão Frio que corte um dedo às 18h vai para Vila Real ou para Lamego, e pode não ter transporte assegurado, é este o tempo que se vive em Mesão Frio.

Temos famílias a pedir, que necessitam de comida, é um problema e o Governo sabe disto, só se andarem com os olhos fechados.

A aposta no interior não passa por grandes obras, não quero. Quando me candidatei, coloquei no programa que não me interessam os fontanários, nem as rotundas, nem as avenidas, a mim interessam-me as pessoas, e temos que criar condições para as pessoas se sentirem aqui bem.

Se daqui a 4 anos fizéssemos uma nova entrevista e sentisse, já nessa altura sentisse da parte do Estado uma maior preocupação com o interior, seria uma missão cumprida com sucesso?

Olhe essa missão de sucesso depende da minha crença num homem, e não estou a ser bajulador, nem por ser do Partido Socialista, não. Eu tenho no nosso Primeiro Ministro, António Costa, um individuo sensível às pessoas, tenho por aquilo que ouço, que vou vendo, as intervenções que ele tem, é essa a minha fé.

Também sei que os fundos do Estado não são inesgotáveis e problemas o país tem-nos, agora, nesta matéria, eu julgo que ele é sensível. Dá-me a ideia que ele se calhar é mal assessorado, é a ideia que eu tenho. Vejo-o com uma preocupação social, e o país nisso não se pode queixar, basta ver o que se passou na pandemia. O país só tem de reconhecer o que ele fez, portanto é essa a crença que eu tenho, com a ajuda do PRR, do 20-30 e de todos os quadros comunitários.

Nas reuniões da CIM Douro, também se fala nisto mas as dotações já vêm de cima, quando reunimos, já está tudo decidido, somos uns palhaços. Porto, Lisboa continuam a levar o bolo todo e nós aqui coitadinhos… Se eu visse o Porto ou Lisboa a evoluir humanamente ainda se aceitava, mas não vejo, continuo a ver bairros degradados, gente altamente carenciada, continuo a ver isso tudo, portanto há aqui qualquer coisa que não está a funcionar bem.

Se daqui a 4 anos, o meu discurso for o mesmo, possivelmente eu não estarei aqui e pronto cá estarei com o pau para dar a quem direito.

Últimas Notícias

Secretário de Estado do Turismo na abertura oficial do 11o Festival de Sopas

13/02/2025

Município de Lamego cria em Fafel novas habitações a custos controlados

13/02/2025

Centro Interpretativo Digital dos Produtos Endógenos vai nascer em Torre de Moncorvo

13/02/2025

Seleção Nacional de Goalball masculina estagia em Foz Côa

12/02/2025

Executivo Municipal inicia visitas institucionais a empresas e Zona de Acolhimento Empresarial

12/02/2025

Emoções do Nacional de Enduro estão de volta a Santa Marta de Penaguião

12/02/2025

Novo Miradouro de Santa Marinha sobre o Douro e o Tua avança a bom ritmo

11/02/2025

Câmara de Lamego garante transporte gratuito para idosos

11/02/2025