A notícia chegou de surpresa à região. Numa altura em que todos (autarquias, agentes turísticos, comerciantes, etc), se preparavam para mais uma época turística, a CP informou que o comboio Miradouro não se realizará este ano e, o comboio a vapor verá reduzida para metade a sua oferta de viagens.

Imediata foi também a resposta que os responsáveis políticos e institucionais deram ao serem confrontados com aquela que unanimemente consideram ser “um escândalo”.
O facto da notícia chegar pelos órgãos de comunicação social é, desde logo, uma “desconsideração” para José Manuel Gonçalves, autarca reguense, que apesar disso prefere, em tom quase irónico, colocar a hipótese de uma falha grave de comunicação na empresa.
“Vou olhar para isto de uma forma mais ligeira e não pensar logo numa desconsideração, senão uma falha de comunicação da empresa. Já quando foi o encerramento da linha soubemos pela comunicação social, bem como alterações de horários, portanto, tudo o que nós sabemos de decisões que a CP para com o nosso território é através dos jornalistas, eu considero isto inaceitável. Quero considerar que não é um desrespeito, apesar de o ser, e pensar em falhas graves da empresa, para as quais temos vindo a alertar sempre que reunimos com eles, são sempre reuniões de reação e nunca de prevenção de situações como esta e que acabam por ser revertidas ou alteradas, levando-nos a questionar porque não as discutimos antes de se tomarem decisões”, afirma.”
CP fala em falta de rentabilidade
A notícia, avançada por um jornal nacional, referia uma fonte da empresa que “A CP constatou que a procura, na linha do Douro, continuou a concentrar-se nos comboios realizados com Automotoras UTD 592, indicando que o mercado não terá valorizado o Comboio Miradouro”, acrescentando ainda que, “mesmo considerando um cenário de lotação completa, este comboio gera prejuízo para a CP, dada a logística necessária à sua produção”.

Os argumentos da empresa não convencem o autarca reguense que considera a decisão inaceitável, considerando que a mesma afeta não só o setor turístico, como o desenvolvimento socioeconómico e social de toda a região.
“A minha reação é de achar que é inaceitável aquilo que nos estão a fazer, mais uma vez. É inaceitável pelo argumento, porque o argumento da viabilidade económica, para mim, não é verdadeiro. Se não há rentabilidade a culpa não está na procura mas na qualidade do serviço, é preciso olhar para quem gere este serviço e analisar se tem capacidade para o fazer com qualidade. Eu tenho a convicção plena que este serviço tem procura, são 4,4 milhões de turistas que andam no norte e a região do Douro é um dos pontos mais procurados. A sensação e a experiência que este comboio proporciona é uma coisa única na região, portanto o argumento económico é inaceitável.
Mesmo que esse argumento fosse justificável ele cairia logo por terra porque o que não falta no nosso país são serviços que não são rentáveis e que continuam a trabalhar, suportados pelo Orçamento de Estado e o qual, todo nós financiamos com os nossos impostos. Não deveria haver portugueses de primeira e de segunda ou de terceira, porque até parece que já nem em segunda estamos porque, sempre que se fala de rentabilidade aqui encerra-se, foi assim com a Linha do Corgo, a Linha do Tua, entre outros. O mesmo não acontece no litoral, nos grandes centros e isso não podemos admitir e por isso devemos levantar a nossa voz contra esta discriminação que acelera o despovoamento e dificulta a fixação de pessoas”
A forma como tudo isto está a ser gerido põe em causa a capacidade das pessoas que o fazem pela demonstrada falta de sensibilidade e de qualidade que deve ter quem trata deste assunto. A prova é que, enquanto estas composições estiveram aqui a trabalhar entre o Marco e o Pocinho (no transbordo obrigatório provocado pela última intervenção efetuada na linha), foram muitos os turistas que aproveitaram para fazer a viagem porque é sem dúvida uma experiência diferente e única”.
CIM Douro considera “falta de respeito”
Em comunicado, a Comunidade Intermunicipal do Douro, representando os 19 municípios da região considera, o cancelamento do Miradouro, uma “falta de respeito pelo Douro”.
“A CIMDOURO considera infundados os argumentos como ‘falta de rentabilidade da linha’ e ‘desajustamento’ dos comboios turísticos ao Douro, quando esta região tem registado aumentos extraordinários na procura turística, decorrentes dos 4,3 milhões de turistas que anualmente visitam o Norte de Portugal e que têm no comboio Miradouro e no Comboio Histórico opções de transporte para conhecerem o Douro.
A CIMDOURO não compreende que uma decisão destas seja anunciada pela CP, e suportada pelo Governo, em contraciclo com a realidade turística do Norte de Portugal, quando, no dia 19 de fevereiro, a companhia aérea Emirates anunciou que a partir de 2 de julho vai fazer a ligação entre o Porto e Dubai quatro vezes por semana, trazendo novos turistas ao Norte e novas oportunidades para o Douro dar a conhecer os seus argumentos enquanto Património Mundial da UNESCO – e o comboio era uma extraordinária oportunidade para fazerem esta incursão pelo território”.

A Comunidade Intermunicipal vai mais longe nas críticas, falando mesmo de um contínuo abandono do interior, prejudicando o futuro dos 200 mil habitantes da região.
“A CIMDOURO lamenta que, mais uma vez, o Interior de Portugal tenha de lutar pela continuidade de serviços essenciais à sua economia e à economia do País. A lógica do custo é sempre tida em conta no Interior, ao invés do que sucede no litoral, onde os prejuízos são sempre compensados com o Orçamento de Estado.
Razão pela qual não é admissível que a CP, ou qualquer outra empresa que prossegue o fim público, promova retrocessos turísticos e económicos, cause prejuízos à promoção deste destino turístico, reduza ofertas aos turistas ou interfira na estratégia de uma região que representa mais de 200 mil habitantes, tem sido um exemplo no combate à sazonalidade turística em Portugal, é um dos maiores promotores do País no Mundo, e é um destino de turismo de excelência, com qualidades reconhecidas internacionalmente”, lê-se no comunicado.
TPNP refere prejuízo para a região
Luís Pedro Martins, presidente do Turismo do Porto e Norte, em declarações à imprensa, diz que esta é uma decisão que prejudica a região.
“Nós temos um bom momento ao nível turístico na região Norte, mas ainda com uma concentração na Área Metropolitana do Porto e, obviamente, tudo o que sejam medidas que prejudiquem a possibilidade de levar os turistas mais longe não ajudam a estratégia que pretendemos ter que é precisamente distribuir esses fluxos por toda a região”.
O responsável da Entidade Regional põe ainda em causa o argumento apresentado pela CP, com análise nos números de turistas que se deslocam para o Douro.
“Tenho sérias dúvidas sobre o argumento da CP de que o comboio não é rentável”, afirma Luís Pedro Martins.
Pedidos de reuniões anunciados
“Estou à espera de resposta do Presidente da CP para uma audiência e a própria CIM já solicitou também esclarecimentos junto do Ministro que tutela esta área, estamos a aguardar respostas de alguém que assuma estas decisões do ponto de vista técnico e político”, afirma o autarca reguense, José Manuel Gonçalves, à nossa reportagem.
No comunicado da CIM Douro, enviado às redações, a estrutura confirma também que já solicitou uma reunião com o responsável pela pasta no Governo.
“A CIMDOURO, que vai exigir reuniões urgentes à CP e ao Ministro das Infraestruturas e da Habitação, não aceita o fim do comboio Miradouro e não aprova a diminuição do número de viagens do Comboio Histórico no Douro, medidas que trarão graves prejuízos à região, aos operadores turísticos, às empresas e às gentes do Douro”, lê-se.