Criada em 1932 com a designação de Federação Sindical dos Viticultores da Região do Douro, a atual Casa do Douro passou por diversos altos e baixos, provocados por uma dívida ao estado que ascendeu aos 160 milhões de euros, que quase levaram à sua completa extinção.
Em dezembro de 2014, a instituição, com sede em Peso da Régua, viu extinta a sua natureza pública, sendo posteriormente aberto um concurso para a gestão privada, que foi formalmente assumida pela Federação Renovação do Douro, em maio de 2015.
A Federação, criada em novembro de 2014, assumiu assim a gestão da instituição, passando a designar-se Casa do Douro/Federação Renovação do Douro, através do Despacho n.º 5610/2015 de 25 de maio de 2015.
Transformada na maior associação de viticultores da região, a nova entidade passou a assumir a representação da produção no Conselho Interprofissional do IVDP, I.P..
Chegados a 2019, a instituição da lavoura duriense volta a ser uma associação pública de inscrição obrigatória. Alguns concordam com a decisão, mas há quem a considere uma "machadada na região".
Comércio e produção contra decisão
As primeiras reações contrárias a esta decisão tornadas públicas surgiram por parte dos representantes da produção e do comércio na região.
Em declarações à Lusa, num primeiro momento, o presidente da Associação das Empresas de Vinho do Porto (AEVP), António Saraiva, classificou a medida como “inqualificável” e uma “machadada na região”.
[caption id="attachment_7134" align="alignleft" width="300"] António Saraiva, Presidente AEVP[/caption]“Obviamente que isto preocupa as empresas, porque a região estava calma, serena, e isto vai novamente criar muitas divisões dentro da região. O que mais me preocupa é que parece que o PS e os partidos de esquerda venderam o Douro em troca de algum acordo eleitoral, porque as eleições estão à porta”, afirmou.
Ao VivaDouro o responsável afirmou ainda que “a Lei aprovada é apenas de entendimento politico, tendo apenas em conta acordos e estratégicas politicas que em nada têm a ver com os problemas dos viticultores da RDD. A AEVP está muito preocupada pela negação da liberdade associativa na Região do Douro. Receamos os desequilíbrios que tal imposição venha a trazer à paridade que existe e necessariamente tem que existir no Conselho Interprofissional do IVDP.
Não será possível estabelecer paridade no Conselho Interprofissional do IVDP quando uma profissão, o comércio, tem plena liberdade de se associar assumindo os sócios o finamento das suas associações, conferindo-lhe assim legitimidade e responsabilidade e a outra profissão, a produção, passa a ter uma representação única imposta por lei e financiada pelo Estado”.
Também António Lencastre, da Federação Renovação do Douro, que representa produtores durienses, considera a nova lei como uma “afronta”.
[caption id="attachment_7135" align="alignright" width="300"] António Lencastre, Presidente Federação Renovação do Douro[/caption]“A vida é feita de convicções e às vezes elas entram na cabeça das pessoas sem nenhuma explicação prática. Dá-me impressão que algumas pessoas, em especial as mais velhas, ainda não se adaptaram à nova realidade da Casa do Douro, que já não é a força que era no passado. Esses tempos acabaram, contudo há alguma nostalgia e essa nostalgia, num rasgo de demagogia política, levou a que alguns deputados da região e alguns autarcas viessem levantar essa bandeira.
Racionalmente esta decisão não faz sentido e economicamente é um tiro no pé. No Douro o problema não é esse, nós temos outros problemas.
Depois mistura-se muitos duas coisas, a primeira é que a Casa do Douro serve para defender o interesse de 20.000 viticultores, não é para defender o interesse dos cerca de 200.000 habitantes da região do Douro e isso às vezes confunde-se passando a ser uma cortina de fumo, levanta-se o problema da Casa do Douro para se dizer que se está a resolver o problema da região toda, deprimida, com falta de população e perca da renda per capita e há muitas outras coisas a acontecer perante as quais nada se faz.
A Casa do Douro já tinha deixado de ser um problema, foi um problema há 30 anos atrás e na altura ninguém se manifestou.
Esta é uma bandeira eleitoralista que na prática não era necessária. Isto foi tudo feito na cabeça de algumas pessoas e de alguns autarcas, sendo que na sua maioria não percebem nada de vinha, nem viticultores são, tal como os deputados. Parece que os votos lhes dão o poder de ter estas ideias e serem sábios.
Eu preconizo uma situação muito fraca, semelhante à que já vivemos no passado. Esta solução abre portas a uma intervenção estatal que será fatal para a região. Para nos defendermos, a quem vamos recorrer? Aos paus mandados do IVDP? Aos paus mandados da Casa do Douro pública? Vamos ter que arranjar outra instituição que vá para a rua berrar porque, os que forem eleitos com o estigma político que está aí metido vamos ter candidatos à Casa do Douro que são políticos, porque são puxados por este ou aquele partido.
Esta solução agora apresentada esquece-se que 70% dos viticultores têm 2 hectares e são idosos. Esta gente não se vai mobilizar para votar, é preciso alguém que perceba o que esses produtores precisam para os defender e nada melhor que as cooperativas e associações para o fazerem. Não são as grandes empresas que os esmagam, eles estão fatalmente nessa situação e é insensato achar que essas pessoas vão levantar a voz para reivindicar os seus direitos”.
CIM Douro aprovou decisão por unanimidade
Numa altura em que a Assembleia da República estava a trabalhar numa possível reversão do processo de privatização da Casa do Douro, a Comunidade Intermunicipal criou uma comissão de vitivinicultura, no âmbito da qual foi trabalhado um documento que, posteriormente, foi aprovado por unanimidade pelos 19 municípios que a integram.
O presidente da Câmara de Peso da Régua, José Manuel Gonçalves, explicou que, no documento remetido aos grupos parlamentes, a Comunidade Intermunicipal defende uma Casa do Douro "de direito público e de inscrição obrigatória".
[caption id="attachment_7136" align="alignleft" width="300"] José Manuel Gonçalves, Presidente CM Peso da Régua[/caption]"Para nós isso é fundamental. Devia ser de inscrição obrigatória porque sempre foi assim e eu acho que é a forma de agregar toda a gente e dar dimensão à representação de quem produz. A CIM defende uma Casa do Douro de direito público, com autonomia financeira, tutelada pelo Governo", frisou.
O autarca reguense lembrou ainda que a CIM Douro contestou a decisão do Governo de privatizar a Casa do Douro.
"Esta maioria de esquerda colocou em cima da mesa a disponibilidade de reverter a situação e não faria sentido nós não estarmos na primeira linha a dar força política a esta solução e para que possa ser refundado todo o modelo", salientou.
A CIM propõe assim que seja criado um conselho regional de 43 viticultores, composto por um eleito por cada um dos 21 concelhos da Região Demarcada do Douro. De acordo com a proposta da comunidade intermunicipal, os restantes 22 serão eleitos por concelho, com base na área de vinha cadastrada no IVDP.
Produtores dividem-se na análise à solução encontrada
Também entre os produtores existe uma divisão quanto à posição perante esta decisão política.
Entre os que defendem esta solução o VivaDouro falou com Romeu Sequeira que afirma que esta solução é um “marco histórico para a região”.
[caption id="attachment_7138" align="alignright" width="300"] Romeu Sequeira, vitivinicultor[/caption]“Isto é de facto um marco histórico para a Casa do Douro e para todos os vitivinicultores do Douro. Esta nova Casa do Douro só traz vantagens para os vitivinicultores durienses, por exemplo, até aqui não tínhamos uma representação que englobasse todos os vitivinicultores do Douro e a partir deste momento, com a inscrição obrigatória da Casa do Douro, teremos uma representação ao mais alto nível, que nos defenda em vários aspetos. Este será um novo passo para a região.
Não há dúvidas que todos os autarcas da CIM Douro aprovaram esta medida do governo. Há aqui dois lados, o dos vitivinicultores, pequenos e médios, e o das grandes empresas que efetuam a sua exportação. Existia um poder máximo por parte dessas grandes empresas, por exemplo, o Conselho Interprofissional é constituído por essas grandes empresas, juntamente com o IVDP. Com esta nova realidade as coisas mudam e a nova Casa do Douro pode trazer diversas vantagens para esses pequenos e médios produtores como a contratação de seguros mais benéficos para todos, criar a participação e gestão de instituições de caráter mutualista, a promoção de serviços técnicos, a possibilidade de manter um stock histórico e, além disso tudo, a Casa do Douro poderá indicar nomes para o Conselho Interprofissional, garantindo assim que todos terão quem os defenda na tomada de decisões que são importantes para a região”.
Em sentido oposto, Rui Lopes, também ele um pequeno produtor da região fala numa decisão prejudicial à região tomada “em cima do joelho”.
[caption id="attachment_7140" align="alignleft" width="300"] Rui Lopes, vitivinicultor[/caption]Na minha opinião, e tendo em conta que a Casa do Douro sempre foi de direito privado e representava todos os vitivinicultores no Interprofissional, negociava os valores e as quantidades a serem produzidas, não compreendo porque é que passa a ser de direito público, de inscrição obrigatória, e isto é que faz confusão. Porquê a inscrição obrigatória? Clientelismo? Quem é que vai ser o presidente da Casa do Douro? As pessoas que lá vão estar conhecem a realidade da região? É um desconhecimento total. A meu ver isto foi feito em cima do joelho. Pegou-se num conjunto de documentos, misturou-se tudo de forma a agradar a toda a gente mas eu acho que não agrada a ninguém. Já ouvimos o comércio manifestar-se contra e eu, como produtor, também não me revejo neste modelo.
A minha questão é, que direitos terá esta nova Casa do Douro no Conselho Interprofissional, terá voto de qualidade? Sobrepor-se-á ao IVDP, que é o Estado? Neste momento, se vai ser de direito público estamos a duplicar poderes. Passamos a ter dois institutos públicos, um que representa os vitivinicultores e outro que representa o Estado, não faz sentido. Para mim um instituto público representa o Estado, e não os vitivinicultores, independentemente de haver obrigatoriedade de inscrição.
A decisão é uma decisão política. Ao fim de 4 anos desta legislatura houve muito tempo para a resolver e agora é feita em cima do joelho. No conselho da CIM Douro há uma unanimidade mas na Assembleia Intermunicipal há deputados que estão contra esta decisão, e isso é sabido, assim como se sabe que há muitos agentes da região que não a apoiam, considerando-a mesmo má. Como é que de um momento para o outro a Casa do Douro que muitos defendiam que era uma coisa muito má, que vinha do tempo da ditadura, agora já é algo muito bom? Não percebo”.