Após um ano de 2022 marcado pela seca, as chuvas de inverno faziam antecipar um bom ano para o setor da maçã, fato que se veio a registar em Armamar e Moimenta da Beira, contudo, em Carrazeda de Ansiães o cenário é outro com as tempestades de granizo de maio e junho a dizimarem cerca de 90% da produção do concelho.
Luís Vila real é o presidente da Associação de Fruticultores e Viticultores do Planalto de Ansiães (AFUVOPA), é o responsável que nos explica que a produção deste ano “foi quase totalmente destruída pelo granizo, no total perdemos cerca de 90% da campanha”.
Os números impressionam e o responsável associativo aponta uma solução que pode prevenir situações semelhantes no futuro, a instalação de torres anti granizo, um sistema já utilizado em outros concelhos durienses como Armamar e Moimenta da Beira.
“Temos vindo a fazer muita pressão para que sejam criados apoios para os sistemas de proteção contra o granizo, nomeadamente as torres anti granizo, mas tem havido, por parte do ministério da agricultura alguma resistência na criação destes apoios.
Se compararmos o investimento das redes anti granizo com as torres, este sistema é muito mais vantajoso. Para se ter uma ideia, para cobrir a produção do concelho com redes o investimento seria de cerca de 18 milhões de euros, já o sistema das torres anti granizo ficaria por cerca de 700 mil euros, uma diferença significativa”.
Esta solução além de muito eficaz é também a mais económica, contudo é necessário o apoio do Estado para que o investimento não seja feito pelos produtores que têm já um orçamento limitado.
“A realidade é dramática. No ano passado fomos afetados pela seca, este ano foi o granizo que comprometeu a campanha, os agricultores estão numa situação muito fragilizada porque não têm forma de obter rendimento”.
Com grande parte da produção dedicada à maçã tipo Golden, o ano será de perdas avultadas “cerca de 10 milhões de euros. Se o fruto estiver em boas condições podemos receber cerca de 40 cêntimos por quilo, assim no melhor dos casos recebemos 10 cêntimos”.
Luís Vila Real explica ainda que para além dos prejuízos deste ano a colheita do próximo ano pode também estar comprometida devido aos danos que o granizo causou na planta.
“No ano seguinte a árvore não reage da mesma forma, ela foi afetada de forma tão intensa que parou o seu ciclo vegetativo. As folhas ficaram todas destruídas e ela deixou de emitir lançamentos, como estávamos no período de diferenciação floral, que permite à planta lançar os gomos para a produção do ano seguinte, não sabemos como ela irá reagir”.
Tudo isto afeta ainda a realidade social do concelho que, à semelhança de todo o interior vai perdendo população ano após ano, obrigado a recorrer a mão-de-obra estrangeira, adicionando assim mais um custo elevado para os produtores que não se reflete no preço que vão vender o seu produto ao retalhista.
“A desertificação tem obrigado a recorrer à mão-de-obra estrangeira, que está extremamente cara e a atingir valores que se tornam difíceis de os fazer repercutir no preço a que vendemos o produto ao retalhista”.
Armamar e Moimenta da Beira com garantia de boa colheita
Em Armamar o cenário é diferente, a instalação das torres anti granizo no final do ano passado preveniu a queda de granizo, proporcionando assim uma colheita tranquila e em grande quantidade.
Maurício Fonseca é um dos produtores do concelho, acompanhamos a viagem que faz desde o pomar até ao armazém onde entrega as suas maçãs.
Durante a viagem a satisfação com a colheita deste ano é evidente “depois de seis anos em que cinco sofremos com o granizo, este ano as coisas parecem ter mudado e temos uma colheita excelente em termos de quantidade e qualidade”, afirma.
Para que esta afirmação seja uma realidade o produtor explica que, “para além das temperaturas terem sido as ideais, bem como a humidade, a presença das torres anti granizo foram um fator diferenciador, foram muitos os dias em que funcionaram e olhando ao que aconteceu à nossa volta acreditamos que fez efetivamente a diferença”.
Para Maurício Fonseca esta solução deveria ser uma aposta governativa, com praticamente nenhum impacto negativo, apenas o barulho que geram, estas torres podem ser a solução para evitar danos nas explorações agrícolas.
“O nosso Governo devia olhar a sério para esta solução, não prejudica nada nem ninguém, o barulho não é razão para não apostar nas torres até porque normalmente eles trabalham durante o dia, à noite não cai granizo.
As redes também são uma boa solução mas o problema é os custos que acarreta, quer na instalação quer depois na manutenção que requerem”.
Para o produtor armamarense, um dos problemas que agora o setor vive prende-se com o rendimento das explorações. Com os custos a aumentarem devido à inflação, o mesmo não acontece com o preço a que vende a maçã que se tem mantido praticamente inalterado nos últimos anos.
“Este ano tivemos um acréscimo de custos de cerca de 30%, há produtos que usamos para o tratamento que duplicaram de preço, o gasóleo também subiu exponencialmente, são custos que ficam difíceis de suportar pelos agricultores, até porque não se refletem no preço que nos pagam pela maçã.
Há cinco anos recebíamos 25 cêntimos por quilo, este ano como há qualidade pode chegar aos 30 cêntimos, é impossível conseguir manter uma exploração desta forma. Mas se formos ao supermercado a maçã ficou cerca de 1 euro mais cara, o problema é que esse aumento não chega até nós. O preço devia ser regulado porque desta forma qualquer dia não haverá quem produza, e não falamos apenas da maçã mas pela agricultura em geral.
Um trator hoje custa 70, 80 mil euros, o mesmo valor de um carro de luxo, como é que podemos suportar isto a vender maçã a 25 cêntimos? É impossível, já para não falar na renovação dos pomares que fica muito difícil”.
Maurício Fonseca aponta a falta de união entre os agricultores para a falta de resposta do Governo aos problemas que vivem.
“Falta-nos organização para combater esta situação, olhamos para França que sempre que há um problema os produtores juntam-se e fazem barulho a sério, nós protestamos cada um para o seu lado, não temos força”.
A diminuição dos ganhos tem também afastado muita gente dos trabalhos agrícolas obrigando os produtores a recorrerem a mão-de-obra estrangeira, “só aqui em Armamar existem uns 500 trabalhadores estrangeiros, essencialmente de Timor, Nepal e Índia”, afirma. “Os mais novos não querem trabalhar porque recebem subsídios ou emigram, os mais velhos já não têm saúde para este trabalho, se não fossem os estrangeiros certamente que muita maçã iria ficar nas árvores”.
De Armamar a nossa reportagem viaja até Moimenta da Beira para encontrar Eduardo Salgueiro, um dos maiores produtores do concelho, que também se mostra satisfeito com o funcionamento das torres que resultaram numa colheita de grande quantidade e qualidade e que afirma que ali encontramos a melhor maçã do mundo.
“Esta maçã é a melhor, quer em termos de sabor, dureza e sumo. Estamos a quase 900 metros de altitude o que é excelente para esta produção.
A colocação das torres anti granizo fez toda a diferença, esta instalação foi uma das promessas do nosso atual autarca, Paulo Figueiredo que na semana seguinte a ser eleito começou logo a trabalhar nesta solução e é a autarquia que suporta este investimento.
Se não fossem as torres este ano nem um quilo da maçã havia para ver, as torres trabalharam vários dias e nunca por períodos inferiores a 35 minutos, o que nos deixa antever que teria sido uma desgraça.
O pomar onde estamos tem sete anos, esta é a terceira colheita em condições que tenho, nos outros anos era só para a industria transformadora porque o fruto estava todo destruído e aí não recebemos por quilo o valor suficiente para cobrir os custos da apanha”.
Para Salgueiro o grande problema que se vive no setor é a sustentabilidade económica, com os custos a aumentar, o preço pago ao produtor não tem acompanhado a tendência o que os deixa numa situação difícil ano após ano.
“Temos que começar a olhar seriamente para a questão dos preços, nós entregamos a maçã sem saber sequer quanto vamos receber, só a meio do próximo ano, feito o balanço da venda da maçã é que nos é atribuído um valor, assim é difícil fazer a gestão do negócio.
Terminando esta colheita fazemos logo um tratamento aos pomares para desinfetar e daqui a um mês iniciamos a poda. Em março começamos a preparar a campanha seguinte e só para julho ou agosto é que vamos receber esta campanha, sem saber ao certo quanto vamos receber por quilo.
Muita gente pensa que ganhamos fortunas nos pomares mas a verdade é que estamos a ser arrastados para um buraco sem fundo.
A lei da oferta e da procura nem sempre funciona neste setor, para dar um exemplo, em 2021, 22 tivemos um ano mau em termos de quantidade, curiosamente foi também dos anos em que recebemos o valor mais baixo por quilo. Nós somos obrigados a ficar a dever aos nossos fornecedores a bancos porque não há quem controle esta situação.
Para que a maçã chegue ao supermercado ao preço a que o consumidor final a paga, alguém esta a ganhar muito dinheiro mas esse alguém não é o produtor, nós continuamos a receber os mesmo. A vontade que dá é deixar tudo a monte e arranjar trabalho noutra área”.
A dedicação deste produtor moimentense ao negócio foi herdada do pai, contudo afirma que nunca irá incentivar a filha a seguir o seu caminho, “seria a última coisa que faria, era arrastá-la para um buraco sem fundo. O meu pai em 1990 vendia o quilo de maçã a 50 escudos (1 euro), nós agora vendemos a 25 cêntimos”.
Se este ano o granizo não afetou a produção, como já nos tinha referido, nos últimos sete isso aconteceu por quatro vezes e quando assim é o prejuízo é ainda maior porque o que recebe do seguro não cobre sequer metade dos custos que tem.
“Nos anos em que fomos afetados pelo granizo recebemos entre sete e oito mil euros por hectare, eu só de prémio do seguro pago quase 19 mil euros, se eu conseguir apanhar a colheita toda são cerca de 80 mil euros, não tem comparação”.
Salgueiro afirma que uma das soluções passaria pela cooperativa, contudo, segundo diz, “são quem paga menos ao produtor”, o que acaba por afetar o preço que outras empreses oferecem.
“Mesmo num ano como este é difícil ter ânimo porque não sabemos sequer a que preço vamos receber a colheita. A Ministra que nos diga como é possível manter isto assim porque nós não sabemos”.
O futuro é olhado com apreensão pelo produtor que já deixou cair por terra os planos que tinha para duplicar a sua produção, salva-se, afirma, a dedicação do autarca moimentense que tem ajudado os fruticultores e evitado que mais abandonem o território e as suas terras.
“Estava a ponderar plantar mais 10 ou 11 hectares mas já perdi essa ideia e só mantenho os 10 hectares que tenho porque são meus, se isto fosse alugado já tinha entregue há muito tempo.
Felizmente temos um autarca que se preocupa connosco e que nos tem ajudado. Quer na pressão às entidades quer no terreno, houve um domingo em que as torres começaram a ficar sem gás de tanto disparar e foi ele, juntamente comigo e outro colega, que andou de torre em torre a trocar as botijas”.
Tal como em Armamar, também em Moimenta da Beira vai sendo a mão-de-obra estrangeira que vai garantindo gente para a apanha da maçã, “os de cá ou já estão velhos ou não querem trabalhar”.
É habitual hoje ver nos pomares gente especialmente do sudoeste asiático, uma realidade que será cada vez mais comum na agricultura, garantem os produtores.