Com a reorganização da assistência médica foi garantido à região que o serviço prestado não seria prejudicado, sendo o território capacitado de mais meios, aéreos e terrestres, para uma resposta adequada. Uma investigação do VivaDouro na sequência do caso que aconteceu em S. João da Pesqueira vem revelar algumas falhas na assistência médica de emergência helitransportada.
A morte de um homem, após violenta agressão em S. João da Pesqueira, a bordo de uma ambulância que se dirigia para o heliporto certificado dos bombeiros de Aguiar da Beira, onde o paciente seria transferido para o helicóptero, fez disparar as sirenes na região.
Segundo fontes próximas da equipa que assistiu o homem de 50 anos, à porta do restaurante onde foi agredido, o piloto do helicóptero terá recusado aterrar em dois locais antes de sugerir a viagem até Aguiar da Beira: no campo de futebol da Beselga, em Penedono, e no campo de futebol de Sernancelhe (informação não desmentida pelo INEM), havendo ainda a possibilidade do Estádio Municipal do Matão, em Moimenta da Beira, que há 10 anos é o local estabelecido para a aterragem dos helicópteros e próximo da unidade SUB de Moimenta da Beira, para onde a SIV se dirigia.
A opção por não aterrar no local habitual causou estranheza ao comandante dos bombeiros locais, José Requeijo, que afirmou ao VivaDouro que “três semanas antes aterrou um helicóptero no mesmo local, durante a noite.
“O que está predefinido e acordado há muitos anos com o INEM é que quando são acionados os meios de apoio a uma missão de um helicóptero o destino é o Estádio do Matão. Eles já sabem as coordenadas para onde vão. O procedimento normal é sair um veículo tanque, predefinido para fazer rega e estabilização do terreno, uma ambulância de socorro para dar apoio à equipa médica, e foi isso que estava feito”, esclarece ainda o comandante.
INEM afirma que decisão cabe ao piloto
Questionado pela nossa reportagem, o INEM esclarece que, em qualquer caso, a decisão de aterrar ou não em determinado local é da responsabilidade do piloto, sublinhando que nesta situação a morte do paciente não poderia ter sido evitada.
“Depois de avaliar e estabilizar o doente, a Equipa da SIV de Moimenta da Beira realizou a respetiva transmissão de dados clínicos ao CODU, que decidiu acionar o Helicóptero de Emergência Médica de Macedo de Cavaleiros, antevendo a possibilidade do doente ter que ser evacuado para uma Unidade de Saúde mais diferenciada.
A vítima foi no imediato encaminhada para o Serviço de Urgência Básica de Moimenta da Beira para receber adicionalmente assistência por parte de um médico, funcionando o SUB de igual forma como ponto de encontro entre as equipas de emergência médica pré-hospitalar (Ambulância SIV e Helicóptero).
Durante o voo do helicóptero, o Médico do SUB de Moimenta da Beira informou o CODU que a vítima teria entrado em paragem cardiorrespiratória, tendo sido declarado o óbito nesta unidade de saúde. O Helicóptero do INEM foi desativado pelo CODU quando se encontrava em voo para o local.
Em locais não preparados para aterragem de helicópteros, como é o caso de campos de futebol ou autoestradas, a decisão de aterragem compete sempre e exclusivamente ao comandante da aeronave, sobre quem recaem as responsabilidades por essa decisão, que deve obedecer às normas aplicáveis à operação aeronáutica”, respondeu o Instituto no final de agosto.
Contudo, num comunicado de imprensa enviado às redações e datado de 31 de julho, o mesmo Instituto afirma que “assim que a missão de helitransporte foi aceite, o local sugerido pelo comandante para aterragem da aeronave foi o Campo de Futebol Relvado de Moimenta da Beira, que integra a lista de locais validados para aterragem de helicópteros de emergência médica. No entanto, o CODU foi informado pelos BV de Moimenta da Beira acerca da proibição de aterragem neste local”.
Esta informação foi contrariada por José Requeijo que afirmou à nossa reportagem que “a utilização do estádio nunca foi recusada. O habitual é o helicóptero aterrar no campo pelado e para aterrar no sintético é necessária a autorização da autarquia, até porque é preciso alguém que abra a porta e acenda as luzes porque nós não temos a chave, enquanto eu fazia esses contactos fui avisado que já não era necessário porque o senhor já tinha falecido”.
Contactada a empresa detentora dos helicópteros, Babcock, a mesma afirma que o estádio do Matão não era o local mais adequado, em especial existindo nas proximidades um campo relvado.
“A adequabilidade do campo de futebol pelado foi comprometida a partir de relato interno em resultado de uma aterragem noturna já este ano. Procurou-se a partir daí encontrar alternante a este campo.
Coexistindo nas imediações um campo relvado, entende-se, à luz dos procedimentos e princípios de gestão de risco que regulam este tipo de operação, que este campo é adequado garantindo a aterragem e descolagem num patamar de risco muito mais reduzido”, afirmação mais uma vez refutada pelo comandante dos bombeiros locais que diz à nossa reportagem que “alguns dias após este caso o helicóptero voltou a Moimenta e aterrou no campo pelado”.
Autarca disponível para construir heliporto
Questionado pela nossa reportagem, José Eduardo Ferreira, autarca moimentense, afirma que “todos os equipamentos estão ao serviço”, contudo, avisa, “têm de existir condições adequadas de segurança para todos: aeronave, pilotos, população. O estádio relvado tem uma utilização exaustiva à noite. Eu não posso introduzir um helicóptero sem previamente ter estudado todas as condições de segurança para que ele ali aterre. Quer relativamente aquela população, quer em relação à população que por ali passa, a única coisa que precisamos é de definir os melhores procedimentos e colocá-los em prática de forma estabilizada”.
O autarca diz-se ainda disponível para construir um heliporto junto ao SUB de Moimenta da Beira. “Há um esboço de um projeto feito pelo arquiteto que teve intervenção na obra do SUB, só que eles não são a entidade competente para este licenciamento”. E acrescenta que, ao lado do serviço de urgência, há um terreno e “metade desse espaço está atribuído a um parque de estacionamento e a outra metade está reservada para aí poder vir a ser construído o heliporto”.
Carlos Silva fala em “fuga à obrigação”
Para Carlos Silva, autarca de Sernancelhe e Presidente da CIM Douro esta situação é inaceitável, mostrando-se surpreendido com a situação e questionando o presidente do INEM sobre a necessidade de certificação de todos os locais onde o helicóptero possa aterrar.
“Gostaria de questionar o senhor presidente do INEM se todos os campos de futebol deste país e descampados têm que estar certificados para receber um helicóptero de emergência porque, se assim for, eu peço então que se certifique cada centímetro deste país para que a população do meu território, da CIM Douro, tenha a garantia de assistência.
Quando foi reorganizado o sistema de emergência médica neste país foi-nos dito que teríamos um conjunto de meios, terrestre e aéreos, que poderiam assistir as pessoas de uma forma imediata. Não entendo porque é que agora se tenta fugir a cumprir uma obrigação em territórios de baixa densidade como o nosso”.
Outro caso em fevereiro, em Lamego-Régua
Em fevereiro deste ano um caso semelhante aconteceu em Ferreiros de Avões, Lamego, quando um homem sofreu queimaduras graves após ter espalhado gasolina num terreno para uma queimada.
A equipa que se dirigiu ao local para assistir o homem contactou o CODU para que o helitransporte fosse ativado indicando as coordenadas de um local próximo ao acidentado, tendo o piloto recusado a aterragem o que levou a vítima a ser transportada para Peso da Régua onde foi transferida para o meio aéreo, no relvado do Estádio Municipal.
A utilização do estádio foi escolhida pelo piloto da aeronave que se deslocou para a cidade reguense tendo em Lamego pelo menos outros três locais onde a aeronave poderia aterrar, o heliporto do Hospital de Lamego, que ainda se encontra em processo de certificação pela ANAC segundo informação oficial do Centro Hospitalar de Trás-os-Montes e Alto Douro, o heliporto do Centro de Tropas de Operações Especiais do Exército Português e ainda o estádio municipal.
“Quem entrou em contacto comigo foi o comandante Nuno Carvalho, dos Bombeiros de Lamego. Eu não sabia que o helicóptero ia aterrar aqui. Quando, por curiosidade, me desloquei ao estádio, que tinha ainda a iluminação desligada, recebo uma chamada do INEM a pedir-me para tratar da iluminação até porque o helicóptero já se encontrava a sobrevoar as instalações", afirmou Rui Lopes, comandante dos Bombeiros Voluntários do Peso da Régua, em declarações à comunicação após o sucedido.
Também o autarca reguense se afirmou surpreendido quando soube da aterragem no estádio municipal, visto nunca ter sido contactado para validar esse local como seguro para este tipo de utilização, contudo, caso as garantias existam o mesmo garante que “não será por oposição da autarquia que o helicóptero não aterra na Régua”.
Neste caso a Babcock, em resposta por escrito às questões do VivaDouro afirma que “a missão referida ocorreu após o pôr do sol, sendo que estas operações noturnas para locais que, não sendo infraestruturas aeronáuticas, são autorizados desde que tenham sido alvo de avaliação e estudo in situ por parte de técnicos especializados, as duas localizações referidos não estavam incluídas nos locais autorizados para operações noturnas.”, não explicando, no entanto, como foi feito esse estudo no estádio municipal da Régua, visto que nem a autarquia nem bombeiros foram contactados nesse sentido.
10 em 19 concelhos sem helicóptero à noite
Após diversos contactos desenvolvidos pela nossa reportagem e de algumas denuncias recebidas por fontes ligadas à Emergência Médica e a diversos corpos de bombeiros da CIM Douro, conclui-se que em 10 dos 19 municípios que compõem este território os helicópteros não aterram em período noturno, colocando em causa a assistência.
As situações relatadas surgem após a assinatura de um novo contrato de 5 anos entre o Estado e a Babcock, no valor de quase 39 milhões de euros e que pressupõe a disponibilidade das aeronaves 24 horas por dia em todos os concelhos do território nacional.
A empresa, contactada pela nossa redação, não torna pública a lista de locais definidos para a aterragem de helicópteros e, questionados diversos autarcas da região confirma-se a inexistência de contactos por parte da empresa com vista a ter, devidamente estudados, locais de aterragem em todos os municípios do território, a qualquer hora do dia.
Também contactado pela nossa reportagem com vista a esclarecer esta informação, o INEM, por escrito, afirma que cumpre o que está no contrato, fiscalizando as operações dos aparelhos, tentando identificar qualquer falha.
“O INEM, no âmbito das suas competências, cumpre com o que está descrito no contrato, desde logo no que diz respeito “ao acompanhamento e à fiscalização do modo de execução do contrato, designadamente dos serviços de manutenção e operação”, atuando de acordo com o previsto”.
Presidente da CIM Douro sem resposta
Carlos Silva, presidente da CIM Douro, confirmou, antes do fecho desta edição, não ter ainda recebido qualquer resposta à carta enviada ao Presidente do INEM, Luís Meira, a 30 de julho deste ano.
“É uma vergonha o que estas instituições públicas fazem ao nosso território, continuamos esquecidos neste interior cada vez mais despovoado de gente e de infraestruturas e serviçoes públicos. Eu gostava de perceber que futuro esperam os nossos governantes para estes territórios de baixa densidade”.
Heli aterrou em descampado em novembro
Uma situação caricata e que passou à margem dos holofotes aconteceu em Vila Real, em novembro de 2018, quando o piloto decidiu aterrar o aparelho num descampado ao lado das urgências do hospital daquela cidade.
O episódio foi confirmado pelo então Presidente da Administração do Centro Hospitalar de Trás-os-Montes e Alto Douro, João Oliveira, que afirmou que “até novembro de 2018 não se levantava a questão da certificação da Autoridade Nacional da Aviação Civil (ANAC) para aterragem de emergência. Para utilização de meios de emergência médica, a certificação não estava a ser requerida. Ter uma aprovação da ANAC é sempre positiva, mas até à altura a questão nunca se levantou”.