[caption id="attachment_1457" align="alignleft" width="300"]DSC_4453 António Lencastre, presidente da Federação Renovação do Douro, entidade que se encontra a gerir a nova Casa do Douro/ Foto: Salomé Ferreira[/caption] Em dezembro de 2014 o Go­verno extinguiu a Casa do Douro como instituição pú­blica para passar a ser uma instituição privada. Passado um ano o VivaDouro esteve à conversa com António Lencas­tre, presidente da Federação Renovação do Douro, entida­de que venceu, em maio deste ano, , o concurso para a gestão da Casa do Douro. Criada nos anos 30 e com uma dívida ao Estado a rondar os 160 milhões de euros, quais foram, na sua opinião, os principais problemas que levaram à extinção da Casa do Douro como entidade pública? Eu tinha um professor de economia que me dizia que as instituições, as empresas e as pessoas, nascem, vivem e morrem. Fundamentalmente as instituições morrem quando o motivo para que foram criadas deixa de ser o seu objetivo principal. Se uma instituição é criada para desenvolver uma região ela acaba quando em vez de fazer isso se preocupa em sobreviver. No fundo foi o que aconteceu à Casa do Douro, evoluiu num sentido em que a dada altura os seus problemas internos eram maiores do que os problemas para os quais ela foi criada. Pretende dizer então que a Casa do Douro não se preocupava com as relações com os agricultores e as instituições? Ela chegou a um ponto em que não tinha dinheiro para pagar a funcionários, não tinha dinheiro para viver e começou a endividar-se. Nessa altura em vez de a preocupação ser virada para os lavradores, para os viticultores da região, a preocupação estava em sobreviver. Quando a preocupação está em sobreviver claro que toda a região percebeu que tinha menos apoio. Era uma instituição que em si era um problema e que não trazia soluções. [caption id="attachment_1459" align="alignleft" width="300"]A Casa do Douro foi criada em 1932 com o principal objetivo de defender os interesses dos viticultores da Região Demarcada do Douro/ Foto: Salomé Ferreira A Casa do Douro foi criada em 1932 com o principal objetivo de defender os interesses dos viticultores da Região Demarcada do Douro/ Foto: Salomé Ferreira[/caption] Quais são as principais vantagens que vê nesta privatização? Eu não sou defensor acérrimo deste modelo. No meu ponto de vista esta solução tem uma vantagem, apesar de não ser a solução que eu patrocinava, acho que a solução que estava era sustentável e foi aberta uma janela de oportunidade que há muito tempo todos estávamos à espera. Essa oportunidade surgiu, nós aproveitámos e achamos que podemos ter uma solução completamente nova e diferente. O facto de ser uma Federação, em que dá a oportunidade de que cada associado passe a ser quase automaticamente uma extensão da Casa do Douro. Tínhamos uma Casa do Douro que estava completamente centralizada no Peso da Régua e hoje pode estar em todos os lugares em que os associados da Federação estão. Essa forma pode ser em si uma vantagem. A segunda vantagem nesta solução é que se separou claramente o que é a dívida do que é a representação. Claramente não herdamos nem o património nem a dívida, o que herdamos foi o direito, a obrigação de representar e defender a região. Nesse sentido nós não perdemos tempo a discutir a dívida, não perdemos tempo a discutir o património, vamos perder tempo a discutir a região e os seus interesses. O que é um modelo completamente diferente. O facto de ser uma instituição com um grande historial de problemas financeiros não vos fez “pensar duas vezes” até decidirem propor-se a assumir este desafio? Não porque claramente no projeto de candidatura que fizemos era separado o problema da dívida. No fundo o decreto legislativo que veio suportar a transformação da Casa do Douro veio dizer que aconteceu aquilo que era tradição do governo anterior, que da mesma maneira que criou o BES “mau” e o BES “bom”, criou também a Casa do Douro “boa” e a “má”. Nós fomos candidatos à Casa do Douro “boa”, a “má” não é da nossa alçada. Herdaremos no futuro o que sobrar da liquidação do património para pagar a divida. Isso despreocupa-nos completamente na divida mas preocupa-nos completamente no outro lado, que é a obrigação de defender os interesses e da representação. Não tivemos nenhum interesse patrimonial e o interesse patrimonial que venha agregado é uma obrigação muito pesada. Nós herdamos um nome, que neste momento é um nome pesado de carregar e herdamos uma casa em péssimo estado com custos de manutenção horríveis. O modelo de vida que nós podemos conceber para a Casa do Douro é que seja um exemplo de conhecimento, um exemplo de tecnologia, de representação, um exemplo da defesa dos interesses da região. O embrião que nós estamos a pensar hoje para a Casa do Douro é um corpo técnico de cerca de oito pessoas, diferentemente das 40, 60 ou 70 que lá estiveram. Não quer dizer que nós não queiramos a Casa, claro que se a Casa fosse destinada a um museu nós não tínhamos feito oposição nenhuma. O que nós não podíamos compreender é que a Casa estivesse na mão de uns que não tinham direito, por isso nós assumimos o controlo da Casa. Quais são as principais mudanças nesta nova Casa do Douro enquanto associação de direito privado? A grande diferença entre uma entidade pública e uma privada é que na pública as pessoas eram “obrigadas” a pagar quotas, enquanto na privada as pessoas têm de ser convencidas a pagar as quotas. Essa é a principal diferença. Portanto vamos ter que fazer pela vida para que as pessoas percebam que é bom estarem associadas à Casa do Douro. Não vai ser porque são obrigadas, o que era a condição anterior. [caption id="attachment_1458" align="alignleft" width="300"]DSC_4463 Em dezembro de 2014 o Governo extinguiu a Casa do Douro enquanto instituição pública/ Foto: Salomé Ferreira[/caption] Sente que falta isso nas pessoas, acreditarem na Casa do Douro? As pessoas já há muito tempo que não acreditam, não é de agora. Considera que essa mudança vai ser fácil? Acho que vai ser difícil. A Casa do Douro está de tal forma desmoralizada e mal vista que vai ser um trabalho muito grande conseguir recuperar o nome, a imagem e fundamentalmente a credibilidade. Essa é a principal dificuldade agora? Fazer com que os durienses voltem a acreditar na Casa do Douro? Sim, eu acho que é o principal desafio. Não é só os durienses, é que as instituições públicas e privadas passem a ver na Casa do Douro um parceiro credível porque até agora era só uma fonte de problemas. Quando a instituição se volta para a resolução dos próprios problemas esquece os problemas para aquilo que foi criada. Desde a sua génese que o principal objetivo da Casa do Douro é a defesa dos interesses dos viticultores da Região Demarcada do Douro. Para além deste, que outros objetivos tem a Federação Renovação do Douro? Se conseguirmos cumprir esse objetivo já é muito importante porque foi para isso que ela foi criada. Agora há um papel que a Casa do Douro dever ter, deve ser uma entidade inultrapassável, qualquer coisa que seja do interesse da região deve passar pela Casa do Douro, ou seja, no futuro a Casa do Douro não se deve limitar ao problema de cada um dos viticultores, deve-se preocupar também com a envolvente e com o estado socioeconómico da região. A Casa do Douro no fundo deve ser uma pedra de calque na região. Sente que isso foi uma falha até ao momento? É uma ausência completa. A Casa do Douro há muito tempo que não é precisa para nada. O que é que a federação tem para oferecer às instituições/associações que trabalham com ela? A primeira coisa que a Casa do Douro deve ter com os seus interlocutores é a lealdade de tratar as coisas com franqueza, sem mentiras e com uma capacidade técnica grande, ou seja, os problemas devem ser discutidos tecnicamente e não por influência biológica ou partidária. Os interesses essenciais desta instituição devem ser a defesa dos interesses, para isso devemos saber em primeiro lugar quais são os interesses e depois como defendê-los. Quais são os desafios que se impõem nesta nova Casa do Douro? É conseguir todos os objetivos que mencionei até agora. Para mim, a partir do momento que consiga defender com critério os interesses dos durienses já é uma alteração tão profunda que fico logo satisfeito. A maior concretização, em primeiro plano, seria formar um corpo técnico forte e dinâmico, esse é o primeiro objetivo, enquanto este é formado nós já estamos a trabalhar em assuntos importantes, como é o caso das novas licenças. Na altura da tomada de posse, como caracteriza o estado em que encontrou a Casa do Douro? Abandonada. Completamente abandonada. Eu fiz uma visita há pouco tempo, uma visita ao edifício da Casa do Douro, com o antigo presidente Mesquita Montes, que irá trabalhar connosco e que me contou um pouco de como era a Casa do Douro no seu tempo. Devo dizer que essa viagem começou com um homem alegre e vi um homem completamente abatido no final, tal é a desordem e desarrumação que se instalou. Vê-se que a Casa já não tem trabalho há muitos anos. Esperavam que fosse tão difícil tomar posse do edifício? Tomar posse passava pela compreensão da anterior direção que o tempo deles tinha acabado e deviam entregar o edifício. Eu não tenho o dever de fazer confrontos com ninguém. Estamos com uma constituição nova, fomos para concurso e ganhámos. Chegou um momento em que tivemos que entrar mesmo e eu disse ao Sr. Manuel António: “não podemos ficar o tempo todo a conversar”, um dia tinha que sair, não saiu da forma que eu queria, saiu da forma que foi possível. E esperava essa “hostilidade”? Eu digo com sinceridade que não foi bom para o Douro, não foi bom para quem saiu nem foi bom para quem entrou, foi a única opção que tivemos porque a opção melhor era sair com dignidade, e entrar com dignidade. Mesmo assim, entrou com dignidade? Sim, acho que entrámos com a dignidade possível, entramos com a dignidade de quem tem direito e fez uso do seu direito. É constitucional, é legítimo e não é crime. Para já qual é o próximo passo para reabrir a Casa do Douro? Criar um corpo técnico válido. Quando fala de corpo técnico está a falar de profissionais ligados à agricultura? Haverá vários ramos que influenciam diretamente na agricultura, um deles é a Agronomia, devemos ter alguém muito bom em Agronomia, que já temos, a Dra. Anabela. Haverá alguém que também deverá ter um bom currículo na área da Enologia, precisaremos de alguém na área da Administração e na área da Economia, para  termos uma leitura completa da região. Somos do Douro e queremos defender o Douro, mas temos que saber como é que vamos fazer e o que é que é melhor para a região e isso só sabemos estudando e ouvindo as pessoas. Para quando têm programada a reabertura da Casa do Douro? Primeiro temos que estabilizar a posse, é o que estamos a fazer e providências cautelares são mais que muitas. Ninguém se conforma com as derrotas sucessivas que têm vindo a ter e ainda por cima quando falam em alguma vitória provavelmente é a má leitura de uma derrota, que é o que tem acontecido ultimamente. Primeiro temos que estabilizar a posse, logo que tenhamos a posse estabilizada e condições mínimas, eu e a Dra. Anabela estaremos lá. Que garantias é que podem fazer aos viticultores durienses? A primeira garantia é dada pelas próprias pessoas, todos nós somos viticultores. Eu sou viticultor a 100%, estou envolvido numa cooperativa. Na direção temos o Sr. Camilo que é viticultor e está envolvido na direção de uma cooperativa, temos o Dr. Mário Lopes que é diretor de uma cooperativa, ou seja, são pessoas que lidam com viticultores, somos gente que está envolvida com a região, por isso, a primeira promessa é cumprir o nosso desígnio, é cumprir as nossas expectativas. Se nós defendermos a Casa do Douro estamos a defender-nos a nós próprios, e essa é que é a nossa grande diferença. Essa leitura, esse envolvimento é o que todos podem contar. Para terminar, quem é António Lencastre? Sou formado em Engenharia Civil, as minhas raízes no Douro são desde o séc. XVI, somos uma família enraizada aqui desde sempre. Tenho um percurso engraçado, porque nasci em Lisboa, vivi no Brasil durante 17 anos e formei-me no Brasil. Voltei a Portugal e liguei-me de imediato à exploração direta do Douro, desde 1997, já tenho algum pedal no Douro. Considero-me, em primeiro lugar, alguém que gosta das raízes que tem e em segundo, sou completamente desligado de um passado difícil, porque esse já passou e por isso, só o facto de vir de fora, trago novas ideias, acho que tenho um bom currículo para estar no lugar que estou, com modéstia (risos).

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