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Alterações climáticas deixam região em alerta

A braços com uma seca histórica, o concelho de Carrazeda de Ansiães foi assolado, no espaço de sensivelmente um mês, por uma tempestade de granizo e um grande incêndio. Partindo do planalto transmontano fomos tentar perceber como as alterações climáticas têm afetado a agricultura duriense e que medidas estão e podem ser tomadas para mitigar os seus efeitos.

O município transmontano é um dos mais afetados pelas consequências das alterações climáticas, algo que deixa o autarca local, João Gonçalves, “muito apreensivo e preocupado”, como admite à nossa reportagem.

“Este ano já tivemos um episódio de granizo muito intenso que afetou cerca de 50% da área produtiva com perdas na casa dos 80%.

Também tivemos um grande incêndio, e vivemos um período de seca extrema. Tem sido um ano de ocorrências complicadas mas temos que olhar para elas não só episodicamente, mas como consequência das alterações climáticas que tornarão a sua ocorrência mais frequente”.

Falta de água preocupa

No entender do autarca, a situação mais preocupante é a seca. Com a albufeira que abastece o município em níveis mínimos, estão a ser ponderadas uma série de medidas que ajudarão a prolongar o fornecimento de água à população, situação que, se nada mudar, pode deiar de ser possível já em outubro.

“Aqui em Carrazeda de Ansiães o sistema público de abastecimento de água depende, quase na totalidade da albufeira da Fonte Longa, que é uma pequena albufeira com a capacidade máxima de 900 mil metros cúbicos, e portanto, não tendo chovido este ano está num nível muito baixo.

Desde o início do mês de maio reunimos  com a concessionária para fazer o ponto de situação que, sendo preocupante levou-me de imediato a contactar a Agência Portuguesa do Ambiente (APA), no sentido de referenciarmos esta dificuldade e solicitarmos o apoio para começarmos a agir no sentido de mitigar os efeitos desse nível tão baixo da albufeira.

Numa projeção, usando os consumos médios habituais, a albufeira apenas nos garante o abastecimento até finais de outubro.

A APA assumiu um papel de coordenação, reunindo uma série de entidades, gizando um Plano de Emergência e Contingência, e foram tomadas algumas medidas em especial de sensibilização da população apelando ao consumo controlado”.

No que diz respeito às medidas de mitigação o município começou por dar o exemplo, passando a utilizar “água proveniente de outras fontes de abastecimento para a rega e para as piscinas descobertas municipais que ficam ainda sem os balneários para evitar consumos excessivos”.

À população, o “fornecimento intermitente de água chegou a ser ponderado” mas é uma solução “muito complicada de adotar” no sistema que o concelho usa. Outra medida em ponderação é o aumento do tarifário nos escalões mais elevados, “como forma de desincentivar o consumo excessivo para fins que não são essenciais”.

Por forma a aportar mais água ao sistema foi já aberto um concurso público para a captação de água no rio Tua, por meios terrestres.

Para João Gonçalves, além do fornecimento às populações a falta de água é também preocupante para a agricultura, em especial para a maçã, fruto de excelência do concelho.

Para fazer frente aos problemas causados pela falta de água a autarquia tem já um projeto para a construção de uma barragem para regadio.

“Temos a preocupação de dotarmos a nossa agricultura com um sistema de retenção de água e perímetro de rega que permita os nossos produtores serem mais competitivos no mercado, nomeadamente os pomares de macieiras que contribuem já muito para a economia local. Os produtores têm recorrido às suas charcas particulares mas isso no futuro pode já não ser suficiente.

Temos desenvolvido algum trabalho no sentido de conseguirmos esse objetivo da construção de uma barragem. Já no início do anterior mandato encomendamos um estudo de regadio estratégico para o concelho que identificou um local que é de longe o mais favorável para esse desígnio. Curiosamente é uma albufeira que, a ser construída, ficaria muito próxima da Fonte Longa, o que poderia no futuro ter outras vantagens no abastecimento da rede.

Estamos em fase de estudo prévio, já fizemos o estudo de impacto ambiental que está a ser estudado neste momento e temos a expectativa que possa ser uma das tais medidas que a médio/longo prazo possa ser uma solução para ambas as dificuldades”.

A falta de água e a construção de duas barragens é igualmente uma reivindicação do autarca moimentense, Paulo Figueiredo, que também se depara com graves problemas devido à seca.

“O tipo de fruticultura que se produz em Moimenta da Beira requer muita água para termos um fruto nas condições perfeitas de comercialização.

Já pedi reuniões com a Ministra da Agricultura porque temos aqui projetadas, já do passado, duas barragens para o nosso município e eu quero acelerar esses projetos. São processos demasiado demorados mas neste momento não há tempo a perder, não havendo barragens a nossa agricultura vai sofrer bastante, essencialmente a maçã”.

Luta contra o granizo

Se para solucionar a questão da seca o município ainda aguarda pelas barragens, na luta contra o granizo a situação é diferente, tendo mesmo tomado a iniciativa de instalar canhões anti-granizo no concelho,  12 até ao momento, sendo de esperar a instalação de mais 29 para cobrir toda a área produtiva de Moimenta da Beira.

“A nossa estratégia na área da fruticultura passa por este tipo de investimentos. Estamos a tentar ver juntamente com a administração central o apoio para este investimento que para nós é preponderante.

Estamos a falar de áreas de negócio que mexem muito com a nossa população, a brincar por vezes até digo que é o nosso petróleo.

Há muitas famílias que dependem deste setor de atividade por isso não podíamos deixar de abraçar uma solução para um dos grandes problemas deste negócio.

Do que sabemos é algo que está ao nosso alcance. Temos muitos agricultores que de outra forma não tinham nenhuma solução para protegerem as suas culturas do granizo. O outro sistema conhecido e que também é bastante eficaz é a rede, mas para a instalar é preciso que os pomares estejam preparados para isso, o que não acontece com grande parte deles que já são mais antigos.

Para além disso, o custo por hectare para a instalação das redes é muito mais elevado do que os canhões. A rede fica, sensivelmente por 20 mil euros por hectare, nos canhões falamos de 40 mil euros para cobrir 80 hectares, ou seja, a relação custo-benefício nem se compara.

Este tipo de investimento cobre não só os grandes produtores mas também os mais pequenos, daí a vantagem desta opção e daí o investimento feito pela autarquia”.

Também em Armamar este sistema preventivo tem vindo a ser instalado por iniciativa da Associação de Fruticultores local (AFA) em coordenação com a Cooperativa.

José Osório, presidente da AFA, admite que o processo “sofreu alguns atrasos devido à atual situação internacional com o conflito na Ucrânia”, contudo em breve serão instalados os restantes 36 canhões que assim se juntam aos 24 já instalados e em funcionamento.

Em ambos os concelhos ainda recentemente os canhões estiveram em funcionamento e, quer o autarca moimentense como o presidente associativo admitem que já se evitaram perdas devido à queda de granizo.

“Quero crer que no dia 5 de julho, ao final da tarde estiveram condições muito propensas à queda de granizo, que acabou por cair em concelhos à nossa volta mas aqui e em Armamar não caiu. Os canhões estiveram a trabalhar e não havendo a certeza absoluta, acreditamos mesmo que esse funcionamento evitou o granizo. Os produtores também o dizem.

Vinhas sem proteção

Proposto em 2018 pela associação PRODOURO, o sistema anti-granizo proposto para as vinhas durienses está neste momento “na estaca zero”, admite à nossa reportagem Rui Soares, presidente da associação.

Com a vinda dos fundos do PRR a PRODOURO, juntamente com outras associações e instituições regionais e nacionais, formaram um consórcio com a finalidade de encontrarem financiamento para o projeto (que ronda os 900 mil euros) de instalação de uma série de lançadores automáticos, nos concelhos de Alijó e Sabrosa, de balões para a atmosfera que previnem a queda do granizo.

“A consultora informou-nos que não tínhamos as condições para avançar com a candidatura. Voltamos à estaca zero, todo o esforço que fizemos, o compromisso assumido com os municípios para o financiamento de parte do projeto, volta tudo ao zero.

É muito bom ter o apoio das autarquias e delas não exigimos mais porque sabemos que não podem fazer um esforço maior, tal como do lado da associação há o compromisso de garantir o pagamento do radar, que são cerca de 70 mil euros.

Contávamos com o PRR para ser o complemento que nos faltava. Agora resta esperar por outra oportunidade, apareça quando aparecer.

Finalmente temos sistemas ao nosso alcance dos quais nos podemos servir para controlar algo que até aqui não era possível. A única coisa que temos é a oração a Santa Bárbara, mais nada.

A seca é um problema muito difícil de controlar, mas o granizo já está ao nosso alcance, por isso devemos aproveitar a oportunidade. Em França estes sistemas têm sido instalados em todas as regiões”.

Futuro trará mais preocupações

João Santos é docente universitário na UTAD e investigador do CITAB, para o académico, a situação atual não é novidade e no futuro “este tipo de situações serão mais comuns no futuro, em especial a seca que é, de longe, a maior preocupação”.

De acordo com o investigador a situação climática atual era já uma realidade nos modelos de previsão do passado, situação que muitos desvalorizaram mas que se tem vindo a verificar, alertando o investigador para os atuais modelos que preveem um agravar da situação, em especial a falta de chuva que trará consigo graves problemas para a agricultura.

“O verão em Portugal é habitualmente seco e quente, o problema é que estas condições se têm estendido para a primavera e o outono, o que significa que vamos ter muito menos precipitação do que estávamos habituados há umas décadas atrás. Já temos a noção que isto está a acontecer neste momento.

Se há 20 anos atrás quando se apresentavam estes estudos ninguém acreditava e afirmava-se que os cenários estavam errados, o que hoje infelizmente estamos a constatar é que esses estudos estavam certos, portanto, temos que compreender que se os modelos foram capazes de prever aquilo que tem acontecido, então temos que ter alguma confiança sobre aquilo que nos dizem para as próximas décadas.

A tendência é a mesma, a continuação da diminuição da precipitação, em especial no outono e primavera. No inverno a situação não é tão clara mas também se prevê a diminuição de alguma precipitação.

Havendo menos precipitação os solos ficam mais secos, a vegetação vai entrar mais frequentemente em situações de stress hídrico que potencia uma secura muito grande da biomassa, aumentando, em consequência, o risco de incêndios.

Além disso temos também o problema de os recursos hídricos estarem cada vez mais escassos. Vamos ter lagos com menores volumes de água, rios com menores caudais podendo mesmo alguns, mais pequenos, secar completamente. Serão este tipo de situações que infelizmente nos esperam”.

Pra João Santos, é necessário repensar a floresta com maior cuidado, apostando em espécies mais resistentes e diferentes métodos de plantação a fim de evitar grandes incêndios no futuro.

“Temos que pensar se queremos continuar a ter uma floresta com manchas de vários quilómetros de eucalipto e pinheiro bravo, em zonas de montanha quase inacessíveis.

Temos uma densidade de plantação muito elevada e, com a situação de stress hídrico que se vive, aumenta o risco. Por exemplo, no Alentejo quase não ouvimos falar de incêndios apesar de ser uma região de temperaturas muito elevadas e em seca, porque não há tanta floresta e a que há é uma floresta mais resiliente, adaptada a um clima mediterrânico quente e seco. Ter um sobreiro aqui e outro a três metros de distância é muito mais fácil controlar o fogo.

Temos que pensar que este tipo de florestas que temos em Portugal eram adequadas aos anos 50, 60, com as mudanças no clima das últimas décadas já não temos condições para ter este tipo de floresta.

Se fizermos uma viagem de Lisboa a Viana do Castelo vimos sempre junto à costa na companhia dos eucaliptos. Num país que está a ficar muito seco, com falta de água, estamos a criar um barril de pólvora. Tem que haver um planeamento da floresta e da agricultura, tendo em conta os cenários”.

Interior cada vez mais abandonado

A ideia é comum a todos os interlocutores desta reportagem, o abandono do interior tem potenciado o abandono das terras e as alterações climáticas poderão levar a mais êxodo populacional, num movimento “bola de neve” que potenciará ainda mais abandono de território.

Paulo Figueiredo, autarca moimentense acredita que haja agora mais gente, sobretudo jovens, a quererem dedicar-se à agricultura, contudo, devido a todos estes constrangimentos este movimento pode ser interrompido levando-os a procurar novas alternativas.

“Temos muita gente que chega à conclusão que vale a pena viver no interior e que se tem qualidade de vida mas toda a gente precisa de ter rendimento e há muitas famílias que vivem da fruticultura. Se não tivermos rendimento, se toda esta situação climática piorar, as pessoas certamente repensam o seu modo de vida.

Muitos produtores fizeram grandes investimentos o que dificulta ainda mais todo o processo porque não é só perder o rendimento como não conseguir pagar esses empréstimos, é uma situação efetivamente grave”.

Já o autarca de Carrazeda de Ansiães, João Gonçalves, afirma que a aposta deve ser em medidas de médio/longo prazo que sustentem o futuro da região, podendo assim contrariar os efeitos das alterações climáticas que já se registam.

“O grande desafio é tentarmos adequar as nossas medidas não só nas questões do dia a dia mas tentando ter uma visão de futuro. Tentar, dentro do possível, criar condições para que possam ser mitigadas algumas consequências dessas alterações climáticas, e tentar tornar o nosso sistema mais resiliente evitando tantos danos no futuro.

Os autarcas têm que estar sempre muito atentos e resilientes, pensando nos problemas do dia a dia mas com projetos que farão a diferença talvez quando já não formos autarcas, mas que são essenciais para que estes territórios continuem a ter gente com o melhor nível de vida possível”.

Medidas urgentes são necessárias

Para o docente e investigados universitário João Santos não há dúvidas, é necessário adotar medidas urgentes para estancar este problema, em especial ao nível das emissões de carbono para a atmosfera.

“O clima do norte de áfrica está a migrar para a europa. É isso que nos espera, não é um clima tropical como no Brasil, é mais um clima igual ao norte de África.

Temos que trabalhar ao nível da mitigação, é uma área importantíssima que não podemos descurar. Enquanto falamos em mitigação estamos a falar de medidas que podemos tomar para reduzir a emissão de gases com efeito estufa.

Enquanto não fizermos uma transição energética profundo que permita reduzir o consumo de combustíveis fósseis, não vamos ter um abrandamento do aquecimento global”.

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