Abril é um mês marcado pelo desconfinamento. Com os números de infetados e mortes a diminuir ao longo do mês foram várias as atividades que voltaram a abrir portas animando assim a economia. O VivaDouro foi acompanhar a reabertura das feiras e atividades culturais.
“Olha a camisola, só 5 euros a peça. Venha menina, compre que é barato”, o pregão ecoa pelo recinto onde se realiza a feira semanal de Peso da Régua, umas das primeiras a regressar após o confinamento.
Logo à entrada um funcionário da autarquia mede a temperatura a quem entra no espaço e obriga à desinfeção das mãos com o gel ao seu lado. “As pessoas regem bem, nota-se que têm os cuidados necessários para evitar problemas”, conta-nos enquanto encosta o termómetro à testa do jornalista.
A afluência é controlada para que não haja um excesso de pessoas no recinto, os corredores largos ajudam à circulação por entre os toldos carregados com peças de vestuário, artigos para a casa ou utensílios para a agricultura. A oferta é variada mas há também uma garantia que nos vão dando, “ainda faltam muitos feirantes… e clientes”.
Menos clientes e menos dinheiro
João Paulo é de Lamego, este feirante com 14 anos de experiência garante que “nunca tinha visto uma situação como a atual. Têm sido tempos difíceis e há gente que não sabe como sobreviver”.
Enquanto responde às nossas questões João Paulo vai olhando o recinto. “O ambiente está fraco, não sei se é ainda por receio ou por falta de dinheiro. Temos tudo para atender as pessoas em segurança, mas as pessoas não aparecem”.
Num espaço onde habitualmente o cliente já regateia o preço, este feirante de Lamego constata que “as pessoas regateiam muito mais agora, nota-se bem isso, mas nós também não podemos baixar muito porque temos os espaços para pagar, o aluguer e as outras despesas”.
Durante o confinamento as vendas adaptaram-se, João Paulo faz parte do grupo de feirantes que aproveitaram as ferramentas atualmente disponíveis para chegar aos seus clientes, como a internet. Apesar disso reconhece que é uma realidade diferente.
“Optei por fazer vendas online mas não se compara com o movimento aqui na feira, deu para ir aguentando o barco. Eu trabalho de segunda a sábado, todos os dias entra dinheiro, no online fazíamos uma venda por semana e temos que esperar pelo dinheiro, enquanto isso passa-se fome”.
Um pouco mais à frente encontramos Ana Gonçalves. Com mais de quatro décadas dedicada a este negócio a feirante vende artigos para a casa, desde decoração até utensílios de cozinha. Ao contrário do seu vizinho, Ana Gonçalves não fez uso da internet para continuar a seu negócio durante o confinamento.
“Têm sido tempos difíceis porque não podemos trabalhar e este é o nosso único sustento de vida. Para o nosso negócio as vendas online não funcionam”, afirma.
Nesta reabertura a experiente feirante mostra-se satisfeita, contudo deixa notar também alguma preocupação com o que vai vendo pelas ruas.
“Foi muito bom que as feiras pudessem reabrir, agora temos todos que ter juízo, consideração pelos outros, e respeito, é o mais importante.
Não acho que as pessoas tenham receio, até acho que algumas estão à vontade demais e isso pode prejudicar-nos um bocadinho”.
Tal como João Paulo, Ana também nota que há menos gente pela feira e quem anda vem com menos dinheiro, fazendo mesmo o paralelo com a crise económica que recentemente afetou o país.
“Nota-se que há menos gente porque as pessoas também não têm dinheiro. Nota-se que as pessoas agora, durante esta crise, gastam menos dinheiro do que na altura da Troika”.
Por entre tapetes e carpetes encontramos Avelino Gonçalves, outro experiente feirante que soma já 22 anos de atividade.
O discurso é semelhante, assim como o sentimento que a reabertura desta atividade traduz, um alívio face aos tempos difíceis que tem vivido.
“Nunca nenhum de nós tínhamos passado por algo semelhante. Temos estado parados, com alguma dificuldade, mas vamos arranjando uns trabalhinhos para fazer alguma coisa, não é para ganhar dinheiro, é mais para passar o tempo”.
Para Avelino Gonçalves as vendas online foram uma ferramenta, contudo, o feirante reconhece que não tem o mesmo efeito.
“Vendi poucas peças online mas não dá de maneira nenhuma para sustentar o negócio. É a primeira feira que faço depois da reabertura, já deu para fazer algum negócio, nada comparado com o que fazíamos antes mas já é melhor do que estar parado”.
Clientes entre a satisfação e o receio
Por entre os clientes a satisfação com a reabertura das feiras é notória. Não sendo a típica afluência destes dias, são vários os clientes que vão circulando pelos corredores do recinto em busca dos produtos que precisam.
Vítor Sousa é um desses clientes, já com dois sacos na mão vai olhando para umas camisolas expostas numa banca quando é interrompido pela nossa reportagem. Satisfeito com a reabertura este cliente mostra ainda algum receio pela situação, não deixando de aproveitar a oportunidade para comprar o que não comprou ao longo dos meses em confinamento.
“Já há algum tempo que as feiras estão fechadas, assim como o comércio tradicional, por isso esta reabertura é positiva, no meu entender. Anda aqui muita gente, a pandemia continua aí e isto ainda pode vir a piorar. Logo na entrada tiram-nos a temperatura e há gel para desinfetar as mãos, mas cada um de nós também tem que ter cuidado porque nunca há a garantia de uma segurança a 100%.
Com as lojas fechadas e mesmo com a possibilidade de compra ao postigo acabei por não comprar nada durante este tempo, hoje aproveitei para comprar algumas coisas que me estavam a fazer falta”.
Num passo mais acelerado, em direção à saída vai Carla Carvalho. Sacos na mão vai passando um último olhar pelas peças expostas.
“Comprei umas coisas que já me estavam a fazer falta e que normalmente só encontramos mesmo aqui na feira, já comprei uns panos de cozinha e meias que é uma coisa que se estraga muito”.
Carla Carvalho nota que “ainda faltam alguns feirantes” mas a nível de clientes “penso que o movimento já é razoável”.
Apesar de haver algum receio, esta cliente afirma que as medidas de segurança que se vêm ao longo de recinto dão alguma tranquilidade a quem por ali circula.
“Há sempre algum receio, venho protegida e vejo que as pessoas também se protegem o que dá para ter alguma tranquilidade”.
Cultura também desconfinou
Entre os agentes ligados à cultura há muito que se pedia a retoma da atividade. As fragilidades do setor são conhecidas e as portas fechadas ou os espetáculos cancelados têm sido motivo de preocupação para os milhares de profissionais destas atividades.
Chegados ao Museu de Lamego somos recebidos pela diretora Alexandra Falcão que nos convida a entrar para uma conversa numa das salas de exposição. O diálogo começa pelos tempos difíceis que o setor atravessa e pelas soluções que foi encontrando para chegar aos seus visitantes.
“Tem sido uma vida de alguma angústia e muita incerteza. De repente vimos toda a programação virada do avesso com a necessidade de nos reinventarmos, de encontrar formas alternativas de continuarmos próximos dos nossos visitantes e dos nossos utilizadores.
Nunca estivemos parados, enquanto nos foi possível conseguimos manter o museu aberto com uma programação presencial, sempre com marcações e seguindo todas as normas e orientações da DGS.
Para além disso houve necessariamente um reforço da presença das redes sociais, sites, etc. Fizemos alguns projetos específicos para o digital”.
A presença online terá mesmo sido uma das grandes alterações que a pandemia provocou e que, nas palavras da diretora, veio para ficar.
“É um formato que veio para ficar e neste momento temos sempre a perspetiva de uma programação destinada ao público presencial mas também ao público virtual.
Naturalmente que isso é um trabalho que obriga a alguma exigência porque efetivamente os utilizadores estão em toda a parte do mundo e temos que encontrar conteúdos destinados a essa grande diversidade de público que muitos deles nem português falam”.
Falando da reabertura de portas a diretora afirma que esta é aguardada com alguma expectativa, mas também alguma incerteza.
“Com muita calma. Alguma incerteza e expectativa. Também não podemos simplesmente estar à espera e temos que fazer acontecer para captar esses públicos. Naturalmente que isso passa por um reforço da nossa comunicação, da nossa divulgação. Estamos sempre a pensar em projetos criativos e inovadores.
É muito positivo que no dia da reabertura, e do nosso aniversário, a autarquia nos tenha distinguido com a medalha de ouro da cidade”.
Numa visão mais alargada do setor e da sua importância para a sociedade, em especial nos tempos conturbado que o mundo vive, Alexandra Falcão não tem dúvidas da importância da cultura no desenvolvimento e bem estar da sociedade, demonstrada, nas suas palavras, pela crescente procura do setor em especial por um público mais jovem.
“Noto que nestes últimos dias, e a história mostra-nos isso mesmo, em alturas de crise as pessoas valorizam mais o seu passado, a sua história, as suas memórias. Nos últimos tempos isto é muito visível. Numa altura em que estamos presentes mais no mundo digital é muito curioso percebermos que estamos a chegar a outros públicos, essencialmente aos mais jovens que se têm interessado por arqueologia e arte sacra, isso é muito importante.
Acredito profundamente que a cultura e a arte podem ser um motor de desenvolvimento e de transformação de um mundo melhor. Temos essa responsabilidade.
O museu tem uma função social muito importante e, num modo muito concreto, sendo o Museu de Lamego um museu do Estado, não pode ficar alheio à crise no setor cultural de pessoas que trabalham de forma independente, que não estão vinculadas ao estado e naturalmente temos que olhar com muita sensibilidade e com espírito de grande solidariedade para a crise que está a acontecer à nossa volta”.
Autarquia agracia Museu em dia de aniversário
A Câmara Municipal de Lamego agraciou, com a Medalha de Ouro da Cidade, o Museu de Lamego, em cerimónia realizada no passado dia 5 de abril.
No dia em que o Museu de Lamego assinalou a sua reabertura ao público, no contexto do atual estado de emergência e, simultaneamente, a passagem do 104.º aniversário sobre a sua fundação, ocorrida a 5 de abril de 1917, esta instituição cultural foi distinguida tendo em conta o seu contributo para "o engrandecimento e dignificação do Município de Lamego".
"É um reconhecimento devido e merecido de uma instituição secular que muito faz em prol das nossas gentes. Ao longo dos tempos, tem desenvolvido e implementado um processo organizado e sistemático de programação anual, dando uma ênfase especial à realização regular de exposições temporárias e culturais de maior alcance mediático, dando uma grande visibilidade a esta instituição museológica e, consequentemente, ao Município e à região", afirmou o Presidente Ângelo Moura, na intervenção de encerramento desta homenagem pública.
Fundado num edifício, do século XVIII, que foi palácio episcopal, o Museu de Lamego possui hoje um acervo verdadeiramente eclético, com coleções de pintura, tapeçaria, mobiliário, ourivesaria, paramentaria e meios de transporte, que faziam parte do recheio do antigo palácio, complementadas, mais tarde, por um conjunto de capelas revestidas em talha dourada, espécies arqueológicas, cerâmicas, gravura, desenho e fotografia.
No discurso de agradecimento, a diretora Alexandra Falcão referiu que "as coleções, o edifício e a História é esta a tríade que a Medalha de Ouro da Cidade hoje premeia e também aquela que devemos e queremos transmitir às gerações vindouras, como um claro compromisso com o futuro e a sua construção. Preservamos memórias, mas também as criamos para um futuro que queremos que seja melhor".